quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Vaidosicezinhas IV - Dia do Animal de Estimação


Dia 20 de Fevereiro é o Dia do Animal de Estimação, no fundo de um baú, Maria Lucília Teixeira Mendes encontrou um dos seus primeiros poemas, dedicado precisamente a um animal de estimação (ainda que, inicialmente, não muito bem estimado).


ÚLTIMO ROM-ROM
Primeiro poema – amor de um animal
                        
Trouxeram-te de Travanca, de perto da discoteca;
Foste lá abandonada: ó que sorte tão marreca!                 
Raça especial, não tinhas: nem Persa, nem Siamesa…     
Tua raça era tão só Europeia ou Portuguesa.                                                                                                                                                 
                                                              
Viajaste pra Real, mas tu não eras rainha…                    
Só tinhas de caçar ratos desde manhã à noitinha.
Não tinhas onde dormir, pobre gata, sem abrigo!
Procuravas teu refúgio no casario antigo…          
                                             
 Eras uma gata humilde, com fome e sem amor
Só não eras bem querida, porque não eras flor…
Andavas pelos telhados e remexias a terra…
Por isso a nova dona te fazia tanta guerra.

Estavas um dia aflita com um bebé no caminho:
Parecia um croquet com a terra no corpinho…
Pedias socorro a todos: tocavas o coração!
Mas só diziam “coitada” sem alma, sem compaixão!


Ninguém cuidava de ti e tu própria não sabias…
Envolto em areia fria, o teu filhinho lambias.
Esquecias a fraqueza; fome e dor te apertavam…
Levavas aos teus meninos a comida que te davam!
                                                                                 
Por vezes, adormecida, ficavas dentro de casa…
Ao regressar, a patroa, ficava como uma brasa!
Não lhe comovia a fome nem tuas necessidades,   
Por isso era melhor conheceres outras cidades

A tua vida mudou ao vires comigo um dia…
Trato, comida e amor foram a tua alegria!                        
Eu não era a tua dona; de quem eras não te quis…
Mas a quantos tua vida conseguiu fazer feliz

Brincavas, querida gatinha, boa, amável, simples, mansa,
Como só sabe brincar quem tem alma de criança
Foram passando os dias e as semanas também…
E, depois do tempo certo, tu voltaste a ser mãe.                                                     
                                                                                   
Foi difícil o teu parto, doloroso, demorado…
Mas tinhas duas parteiras, generosas, a teu lado:
Foram a Paula e a Fina que te deram assistência;
Ajudaram-te nessa hora com carinho e paciência.

Quando voltei de Lisboa já estavas tão contente!
Com tua linda ninhada me olhavas como gente…
Meia dúzia! Maravilha! - Dizia quem te assistiu.
Ficaram apenas cinco: o último não resistiu.                         

Teus miados ternurentos pareciam querer dizer:
Olha que lindos meninos acabados de nascer!
E eu ficava extasiada, a ver-vos, sem me cansar…
Que linda a natureza! Quanto tem para ensinar!...

Não sabias o que era planeamento familiar,
Nunca foste à Espanha pra poderes abortar!
Acolheste toda a vida que no teu seio geraste;
Com encantador desvelo, de cada uma cuidaste.

Fosse cão ou fosse gato, em ti encontrava amparo;
Quanta mãe, entre os humanos, merece outro reparo!
Foi um dia assassinada outra gata com filhotes
Que gemiam, esqueléticos, sob uns velhos barrotes…

Em ti encontraram outra, pobres gatinhos sem mãe.           
Comeram tuas maminhas; deste teu sangue também                       
Deste tudo até ao fim, mais que um coração humano...
Deste-te toda a todos: lembravas o pelicano… 

Pra tudo que tinha vida, foste tão terna, extremosa. 
Quem dera que toda a mãe fosse como tu bondosa. 
Nunca ofendeste ninguém, gata tão terna e tão boa,
Mas pra defender as crias tornava-te uma leoa!

Adotaste a cachorrinha, cedo arrancada à mãe.
Sofreste ao ser-te tirada, por lhe quereres tanto bem.
Não deixavas que outros bichos se abeirassem de ti;
Protegias outra espécie com um amor que eu nunca vi!

É para todos tão dura a vida que nos chamou:
Com a saudade e doença, o que era bom acabou …  
Nunca soltaste um gemido, nem tiveste exigência;
Na dor e na solidão só mostraste paciência.

Bem quisera eu valer-te e tirar-te o sofrimento,
Mas a minha profissão não me dava um momento.                 
Foi tarde, querida Xaninha, foi tarde que te acudi…               
Mas quanto daria agora pra voltar a ter-te aqui!

O Dr. Rosas, incansável, bem quis prolongar-te a vida,
Mas tudo dava a entender que já estava perdida…
Imóvel, à espera da hora, olhar fixo no além…
À meia-luz me aproximava, a ver se estavas bem.

Mas vi que já não reagias, quieta, distante, sei lá!...
Estavas viva, eu percebia. Mas já não eras de cá…
Uma vez e outra ainda, e sempre em igual posição…
Ronronaste, finalmente, ao sentires a minha mão.

Animal tão terno e doce, com um coração tão bom,
Ao morrer me ofereceste o teu último ROM-ROM!
Pra sempre serás lembrada, estás no meu coração…
Pelo bem que te não fiz, quero pedir-te perdão!

Deixaste-me hoje mesmo, cumpriste tua missão… 
Quem dera a muita gente possuir teu coração.
Jazes em terra tão fria, sem flores e sem caixão…
Querido animal amoroso, gata de bom coração!             

Descansa Xaninha querida, à sombra dessa nespereira:
Modelo de amor materno prá gente da terra inteira!
Para além tudo é mistério e ninguém descobre o véu…
Bem gostava de saber se pra ti também há Céu!...
   
Merecias melhor vida, mas ela é mesmo assim…   
Se houver um céu para gatos, nele lembra-te de mim.
Nem sei bem a tua idade, mas partiste a vinte e sete:
Foi num triste mês de outubro e tinhas mais de dezassete

Dorme, dorme Xica linda. Dorme, descansa em paz,
Pois todo o bem engrandece quem o recebe e o faz.
Sei onde te enterrei: tua morte me dá pena!
Em tua honra eu fiz, o meu Primeiro Poema!

Nunca nada assim fizera!             
Às vezes a vida é tão torta…                      
Desatei a fazer versos,              
Ao lembrar tristes reversos        
Da pobre gatinha morta!

Disseram-me que só faz versos
Quem nada tem que fazer.
Sei bem que assim não é:
Tanta gente no café
E tanto verso por nascer!..

Outubro de 2007 – dia do enterro da Gatinha













Sem comentários:

Enviar um comentário