Folhas
Folhas
Há folha e folhas
Folhas fábrica, folhas vida
Fazem da morte a vida
Da luz fazem o alimento
Que sua vida alimenta
E na Terra alimenta a vida
Folhas
Há folha e folhas
Folhas novas, folhas velhas
Folhas vivas, folhas mortas
Folhas maculadas, bicolores, variegadas
Amarelas, castanhas, avermelhadas
Folhas sem força, já velhas, já cansadas
Deixam-se ir num bafo de vento mais forte
Rodopiam, rodopiam, rodopiam pelo ar
E caem sem vida no chão
São folhas desta estação.
Folhas
Há folha e folhas…
Folhas pequenas, folhas grandes
Folhas lanceoladas, alongadas, arredondadas
Folhas ovais, cordiformes, elípticas
Folhas pecioladas, folhas peltadas
Folhas lisas, pilosas, rugosas
Folhas simples, folhas compostas
Folhas aéreas, aquáticas, subterrâneas
Folhas
Há folha e folhas…
Folhas de couve, folhas de alface
Folhas de malva, de nabo, de laranjeira
Estou indisposta
Vou tomar um chá de folhas de cidreira
A tensão arterial subiu?
Toma um chá de folhas de oliveira!
Mas se são gases a causa do teu mau estar
Um chá de folhas de hortelã poderá ajudar.
Folhas
Há folha e folhas…
Folhas de árvore, árvore sem folhas
Folhas caducas, folha perenes
As folhas dos livros, das árvores vêm
Folhas escritas, pintadas, desenhadas
Folhas lisas, folhas pautadas
Folhas que leio, folhas que escrevo…
Folhas
Há folha e folhas…
Já escrevi folhas e folhas
(Uma página em cada dia)
De páginas da minha vida
Umas de lágrimas e dores
Outras de risos e alegrias
Duas páginas uma folha
Assim se vai compondo
O livro da minha vida
Cada dia acrescentado
De nova página escrita
Em lágrimas e alegrias
No meu peito a gratidão
Por cada página escrita e lida
Pelo bater do meu coração
A caminhar o dia, cada dia
Com sentir e compreensão.
Folhas
Há folha e folhas…
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, 22/09/2020
Outono junto à Janela do Quarto
Uma goteira anuncia fins de Verão.
Uma duas três
De madrugada, à terceira, corro a entreabrir a janela.
O primeiro cheiro a terra molhada invade o espaço.
Tia Teresa dizia, lá na minha infância, são os deuses a chorar …
- Estão é a fazer xixi, brincava o tio João.
Adoro quando ela vem,
De mansinho,
Uma duas três …e depois
Em crescendo, sussurrando, gritando,
Rindo, chorando, contra os vidros, e
Depois novamente suave, acalmando adormecendo.
Choram os olhos do menino verde da Amazónia
No papel guache de madeiras sentidas
Florestas verdes e castanhas.
E a chuva do duche no corpo dela,
Imagino como será lavar-lhe o cabelo em espuma
E beber a última gota a escorrer junto ao colo …
Cheiro de humidade em terra vermelha a caminho da Rodésia
E a Matope no rio Chiveve
Ou de areia molhada junto às águas azuis do Bilene
Mergulhos sob chuva no Pacífico.
Chuva de lágrimas, nos olhos,
Verde cobalto, da Mulher na explanada
Doces serenas em cadência.
E o riso,
O riso da minha filha
Brincando com o Outono nas folhas caídas em enxurrada
No reflexo do brilho dos olhos d`avó encantados.
Chuva que lava a alma
Dos amores de verão
Retempera o verdadeiro sentido
Anuncia a vaidade dos fatos completos de Inverno.
A tempestade nos olhos do meu filho …
- Tens medo Pai?
(Tenho, tenho da Mulher Séria, um medo que me pele)
-Não filho. Dá-me a mão e vamos lá …
Chuva que adivinha a saudade do futuro
Junto à lareira, com o fogo
Aquecendo o soalho de madeira, nos corpos nus deitados
Conversando palavras soltas.
O pardal no beiral do telhado encharcado
As gaivotas recolhidas no lago
A impala bebendo no sopé da Gorongosa
E a leoa rondando …
E a Terra …porquê A terra? Se O planeta terra ?!
Então porque não A Marte? Ou A Júpiter !?
Porque não O Terra ou simplesmente Terra como Vénus?
Talvez por ser o/a única que gere …como O feminino,
Como A Mulher que chora, por si, pelos filhos e pelo Home dela.
Chuva Dourada no Lago Malawi
De Prata na Lagoa da Vela.
Fugaz viajando buscando
Sempre atrás dela,
Abrigando-se, percorrendo o corredor
Do hotel, número do quarto em memória,
Um dois três
Ao terceiro abrirá a porta (?)
Hora mágica do virar do dia
O coração a transbordar dele,
Como chuva, regará o sorriso dela.
Bastos Vianna
Fernando Pessoa
Carlos Varela
Folhas Perdidas
|
Rio Douro, Porto, Fevereiro de 2017 |
Teresa Cunha
Como quem espera
Estou aqui como quem espera
Um raio de sol, um traço de primavera
Um sopro, um sinal, uma quimera
Uma palavra
Como quem espera
Ainda que eu seja uma memória efémera
Ainda que as minhas frases
Sejam folhas deitadas ao vento
Estou aqui, como quem espera
Ainda que os meus suspiros sejam a espuma
De uma onda que na falésia se quebra
Estou aqui como quem espera
Sem margem para duvidar
Que o teu rosto é o meu sol
Os teus braços o meu céu
Que sem ti o dia é breu
E o desejo uma verdade menos severa
Estou aqui como quem espera
Perdi a alma e a razão
E tão pouco resta
Do corpo onde bate um coração
Que geme desesperado,
Outrora leve e encantado
Revivendo noutra era
Estou aqui respirando, levitando, desesperando
Como quem espera
Carlos Varela, in "Puro Amor"
AS FOLHAS QUE O TEMPO TRAZ
Um dia destes acontece por aí. O COVID aparece, solta-se e a necessidade financeira impede a
sua prisão. Por isso: vá para fora cá dentro, apelo que se faz pela saúde de todos. É bom, muito
bom que se cumpram, sem fanatismos ou fundamentalismos ortodoxos, regras que impeçam a
propagação do vírus.
O monte ali perto a estrada curta e o tempo ameno com temperatura um pouco elevada. O
pau de eucalipto, liso, seco e esfolado, espreita à procura de mão que o agarre. Encostado há
tanto tempo nem se lembra da última caminhada, seguramente noutra mão. Avança a tarde e
um desejo chama. Dez, doze quilómetros; um nada, já foram muitos mais.
Abre-se a porta e o kaiser alonga a vista, lança os olhos para além do umbral. As pernas
mostram ferida em carne viva, o corpo balança, o olhar perdoa a despejar tristeza, a língua
estende-se a lamber a chaga; meia volta, fico cá dentro.
Passada larga, estrada percorrida. A ponte, gravada na pedra a inscrição aponta data a lembrar
D. Afonso, por baixo o rio onde se aprendeu a nadar. Os olhos alcançam água turva e
esquecem-se de recordar. Uma lontra nada à tona, pelagem densa, lubrificada, um regalo que
o instante leva. Estendem-se os olhos, a vista procura o além do alcance, a garça era costumeira. Um casal de namorados adultos desce ao encontro da água que corre sem parar.
Ou a água é repelente ou a aventura tem idades, voltam.
Avista-se o caminho, a entrada é a mesmo de sempre. Para trás fica a estrada e pelo caminho
escorre água de lima. Fugiram as silvas e desapareceram os pirilampos. Talvez, quem sabe, algum se quede por ali à espera de contar uma história sem fim. A noite o dirá. As paredes são rebos em fila, alguns sobrepostos. A água corre mas a fonte, onde bebia gado e gente, está tapada.
Lá em cima a autoestrada corta a direito. O caminho é agora outro alcatroado a piche podre, esburacado. Do alto ouvem-se os carros a voar e aqui ao lado um cão ladra ao inopinado pedestre. As casas estão ali, terreno único para quem quis construir habitação, morada em família.
Por entre escarpas a subida é ingreme, por ali tombaram carros e atrelados de mato e lenha. A mesmíssima entrada da bouça paciente espera, entra-se. Caminha-se devagar a calcar mato e sisco. O eucalipto, oito braços para o circundar. Num raio de sete, oito metros, sob as ganas da árvore, nem mato nem pinheiros, nem outras árvores, apenas carrasca. Ao longe, a quatro quilómetros, em linha reta nem um, a avó subia ao adro da igreja para ver aquela copa elevada, imperatriz. Contrariando vozes, conselhos e predizeres, o eucalipto ficou, perdura ereto, sem receio. Ficará? Por agora fica, para depois.
Caminho em terra batida. O sol a esconder-se. A vara, segura na mão direita, estende-se na horizontal, balança aponta regresso. Passa o primeiro automóvel, respira-se o pó que ninguém quer. Continua-se. Passa o segundo carro e o pó é teimoso, penetra nas narinas. Um aceno em jeito de desculpa. Ao longe vem o terceiro, procura-se rápido a entrada de um campo, um espaço que abrigue. O pó desconhece abrigos e o nariz pede um lenço. O quarto automóvel chega num instante e por mais acenos e sorrisos a buscarem compreensão, a paciência levou-a a poeira.
Vá-se para fora cá dentro e evitem-se ajuntamentos. Sim, procurem-se alternativas. Todos estamos de acordo e todos desejamos que Portugal se encha de portugueses e que os portugueses encham Portugal.
Em casa à espera uma garrafa de vinho branco verde estagia no frigorífico. Um saca-rolhas, um copo, uma cadeira, um banco para apoio do calcanhar esquerdo que o pé está inchado. A Chouriça. A boa disposição, o descanso. Alguém recorda o cante: há um sobreiro velhinho, que nasceu à meia encosta, é a casa dos pardais, malhada dos animais, faz sombra que o pastor gosta.
Sim, tudo passa, tudo vai. Sim, encham este país de portugueses e de outros: quem vem por bem que venha também. Somos hospitaleiros, há sempre lugar para mais um. Sim, um copo de verde branco sabe bem depois de uma tarde transpirada de sol. E o cante que vem do Alentejo fica e volta a ficar: corta a lenha faz carvão, e nasce um novo raminho, da primavera ao inverno, Deus queira que seja eterno, há um sobreiro velhinho.
Tudo bem tudo passa mas sabem; por caminhos pedonais monte fora, onde os automóveis arranham as silvas e coçam os ramos de árvores e arbustos, assustam os filhotes de pássaros no ninho e escarmentam os pais do choco, sujeitar o caminhante a respirar o pó que três dúzias de cabras levantam ao passar é desenfadado, conformar o transeunte a engolir a poeira que um rebanho de ovelhas espalha ao regressar é entretido, misturar o pedestre com uma manada de vacas a ponto de ficar com a cara arranhada porque uma vaca sacode com o rabo o moscardo que a incomoda é recreador; agora obrigar o viandante a comer o denso pó que o automóvel desenterra é chato, é mesmo muito chato.
Manuel José Martins