Está terminada mais uma muito renhida votação, que começou tremida mas que ganhou dimensão na última semana, com uma grande percentagem de votantes que compraram os livros em plataformas online (os votantes tendem a ser os leitores que compram livros aos autores). Muito obrigada a todos os que votaram, em particular aqueles que com o voto, ou em comunicações posteriores deixaram mensagens sobre o quanto os contos lhes tinham feito companhia ou como uma ou outra história os tinha marcado mais ou lhes trouxe memórias. É importante para todos nós esse feedback. O texto vencedor, nos votos e nas mensagens, é "Solidão habitada".À autora, Maria Lucília Teixeira Mendes, os nossos parabéns, muito em breve receberá o seu prémio.
As nossas felicitações também às autoras que se classificaram a seguir.
Resultados:
1º Solidão habitada VENCEDOR (Maria Lucília Teixeira Mendes)
2º E se fosse Natal? (Ilda Pinto Almeida)
3º É dezembro (Dulce Sousa) e Natal em comunidade (Maria do Rosário Cunha)
Leia (ou releia) um excerto do conto vencedor
Solidão Habitada
Corria o ano de mil novecentos e… Corria, é uma maneira de dizer. O tempo corre sempre. E com muita pressa, mesmo que não se perceba porquê e aonde pretenda chegar. Correm os anos, os meses, as horas, os minutos e os segundos… Correm e não param: nem que seja para corrigir algo que não saiu tão bem, ou reviver alguma coisa agradável.
Não foi o que aconteceu com uma senhora não muito idosa e que passava muito do seu tempo debruçada à única janelinha da sua casa rasteira. Para ela, o tempo andava muito devagar. Dir-se-ia, até, que tinha parado no dia em que o filho a deixara. Era o seu único filho. O enlevo da sua alma.
Vivia esta senhora mais ou menos a meio de uma longa rua onde se situava uma escola para professores do então chamado ensino primário. Quase todas as casas que a ladeavam não excediam o primeiro andar. Eram casas simples como as pessoas que as habitavam. A rua, de sentido único, era pouco movimentada, tanto por gente como por veículos. Por ali passavam diariamente duas jovens irmãs que frequentavam essa escola.
Sorridente e meiga, respondia afavelmente ao “bom dia!” que lhe era dirigido. Ainda as manas estavam longe, já o seu olhar ansioso as esperava como se fossem as únicas pessoas a dar-lhe alguma atenção. As duas alunas não se demoravam: cumprimentavam e seguiam.
A senhora bem gostaria de conversar um pouco, mas os horários escolares eram para cumprir e, na saída, o que elas mais queriam, era chegar depressa a casa.
Houve um dia, porém, em que não puderam resistir: a senhora queria mesmo tê-las por perto e desabafar um pouco da sua história.
- Boa tarde, disseram em coro, ao chegar perto ela.
- Boa tarde – respondeu com um cativante sorriso em que estavam escritas duas palavras que só as almas boas conseguem entender na sua plenitude: amor e saudade.
As jovens pararam e, atenciosamente, responderam a algumas tímidas perguntas:
- As meninas são daqui? Andam cá muitos rapazes e raparigas que vêm de outras terras.
- Não somos daqui. Estamos hospedadas em casa de uma senhora amiga dos nossos pais.
- Os vossos pais devem ter muitas saudades vossas! Ficam muito tempo sem vos ver?
(…)
Depois de breves instantes de conversa, a senhora convidou-as a entrar.
A porta estava semi-aberta. Era estreita e a tinta azul com que tinha sido pintada, já mal se percebia. A chuva tinha-lhe apodrecido a base e enferrujado as dobradiças. Estava empenada, mas não era por isso que sempre ficava encostada.
Entraram. O cheiro a mofo era intenso, mesmo se misturado com outros odores indecifráveis. O ar húmido, quase irrespirável.
Feliz por ter alguém porta adentro, acolheu as jovens como se de princesas se tratasse.
Quis mostrar-lhes todos os recantos. Não eram muitos. Começou pela ampla sala com teto de madeira azul cheio de caruncho e algumas tábuas podres quase a desprenderem-se.
Não havia mobília. Mesa com cadeiras? Não! Guarda-loiça ou outra coisa qualquer? Também não! Por isso a sala parecia tão grande!
Num dos lados, apenas se podia ver uma antiga mala de porão em lata e couro sobre dois pequenos cavaletes de pau – a mala do seu enxoval.(...)