Estão de regresso os desafios e, muito apropriadamente, retomamos com um que fala da mudança de estação. Este é um desafio reciclado (ou renovado, se quiserem considerar o Outono) do ano passado. "Caem as folhas" continua a ser o nome do desafio que anda à volta destas folhas, sejam as das árvores ou outras, que caem e se renovam. Os autores puderam trabalhar o Outono, a inspiração, os ciclos da vida, etc.
O desafio volta a incluir as opções conto (pequeno), fotografia/desenho e, claro continua a poesia.
- Para maior facilidade de leitura, se clicar no título dos contos abre uma outra página onde os pode ler em tamanho maior. -
Do dia 23 de Setembro até ao dia 31 de Outubro 2023 estarão abertas as votações para o trabalho favorito. O vencedor receberá um prémio, que pode ver aqui.
NOVIDADE: Só contaremos os votos dos votantes que se identificarem, podem votar como anónimos mas depois deverão enviar um email para um dos endereços fornecidos e indicando o número que lhes foi atribuído. Os votantes entrarão num sorteio para receberem uma lembrança, também a divulgar.
E assim, abrimos oficialmente o regresso à rotina e à escrita.
Uma questiúncula despropositada deitou um balde de água fria sobre o que seriam, e foram com toda a certeza, leituras muito agradáveis de textos de muita qualidade que mereciam que tivessem tido o respeito de um voto. E o texto vencedor, e respectivo autor, que seriam sempre justos vencedores tivessem votado 10 ou 100, fosse qual fosse o apelido dos votantes, também merecia outro tipo de respeito.
Quando uma mesma pessoa votava anonimamente 10 vezes, ou mais, de seguida ou quando amigos faziam o jeito de votar e nem sabiam escrever título ou número do texto, e por vezes, nem o nome do autor... também não se levantaram questões. Não sabemos quem foi o anónimo que se pronunciou- nem queremos saber - mas a denúncia soou muito a ressabiamento. Nunca impedimos que o próprio votasse em si próprio ou que uma mesma pessoa votasse várias vezes, fosse num mesmo texto ou em vários. O objectivo dos Desafios é, e se sempre foi, que os autores se desafiassem a escrever sobre determinados temas e de forma específica. Os prémios, que não ocorrem em todos os desafios, são só um complemento, e se não queremos votantes anónimos (podem-no ser no blogue desde que se identifiquem connosco) é para que também os votantes sejam recompensados com um prémio.
Neste mês de Novembro temos novo Desafio, esperemos que um pouco mais respeitoso. Aliás, e no devido momento serão dados os pormenores, haverá prémios, mas seremos nós a atribuí-los.
Então os nossos parabéns vão para o autor Bastos Vianna e para o seu texto: Caem as folhas… Outono junto à Janela do Quarto.
Brevemente receberá pelo correio o seu exemplar do livro: "O Nascer do Sol".
O sorteio de 4 de Novembro de 2023 do Totoloto determinou como Número da Sorte o número 10, como, infelizmente, as votações não chegaram a 20, só mesmo o número 10 se qualificava para sorteio pelo que foi automaticamente atribuído ao 10, de Raquel Menezes. Também ela vai receber uma cópia do livro "O Nascer do Sol".
E finalmente, porque o votante Manuel José nem é Menezes nem votou em Menezes, vai também receber uma lembrança porque, sem querer, acabou no meio destes assados. Não vai receber este livro de contos, pois é um dos autores, mas vai receber outra colectânea de contos.
Uivava impaciente o vento, sacudindo a janela à sua maneira indelicada e insistente, como se nada mais houvesse que devesse prender a minha atenção; e como eu não lhe fosse acudir tão lesta, resolveu chamar em seu apoio a chuva, uma chuva de grossos pingos vertida por castelos e castelos de nuvens muito aconchegadas entre si, encaracoladas como o tosão de outras tantas ovelhas cinzentas. E de um momento para o outro, o quarto escureceu e arrefeceu de tal modo, que não me restou senão arrumar o manuscrito, disposta a espevitar as labaredas tímidas que esmoreciam no fundo da braseira. Falha de inspiração para prosseguir a escrita, despedi-me mentalmente das personagens do conto desejando-lhes boa noite (apesar de pouco passar das cinco da tarde), acabei de esvaziar a chávena de chá frio que há meia hora me aguardava sobre a mesa-de-cabeceira, e fui encostar-me ao parapeito da janela.
Da janela do meu quarto um tanto acanhado na alta mansarda da casa dos meus avós, dominava todo o jardim (pouco a pouco transformado num matagal livre dos cuidados de jardineiro do meu avô, entretanto presa de um reumatismo implacável), a rua e o telhado de quase todas as casas da vizinhança, o que desde sempre me dera uma agradável sensação de superioridade e me concedera o supremo privilégio de bisbilhotar vidas alheias sem que alguém se apercebesse de tal; mas tal como os meus avós, também isso foram águas passadas, águas da curiosidade infantil e da desconfiança de adolescente; desde há muito achei por bem devolver a cada um a privacidade a que tem direito.
Da janela pus-me a namorar os plátanos da rua, árvores quase seculares que vi crescer, e que sempre me encantaram, da Primavera ao Inverno: os brotinhos enrolados como báculos a estenderem os dedos em folhas muito regulares, de um verde muito fresco, as bolotas cor de mel que à aragem mais forte do Verão espalhavam uma penugem delicada sobre a rua e o jardim, a canção dos ramos embalados pelo vento, os tons acobreados das folhas de Outono… Eis que estávamos no Outono, e pelo ar rodopiavam folhas de plátano de todos os tamanhos e tonalidades, levadas pelo mesmo vento indelicado que me chamara à janela – afinal, por uma boa causa!
Então, pareceu-me ouvir o som de muitas gargalhadas infantis. Espreitei para baixo, para o jardim onde a chuva fazia vergar a relva crescida, mergulhando-a nos pequenos charcos que se iam formando, e o que vi, levou-me a limpar as lentes dos óculos à manga gasta do velho casaco de malha, esfregando-as vigorosamente: lá em baixo, cantando uma lengalenga há muito esquecida, da escolinha que o tempo apagou, dançando numa roda tosca de mãos dadas, cinco meninas de galochas chapinhavam em redor do único plátano do jardim, que não teria mais de três metros de altura – a altura que tinha quando eu própria era criança. Olhando com mais atenção, consegui distinguir, na roda, as minhas quatro amiguinhas e… eu própria! Não, não havia engano possível, era realmente eu, com a minha capa de chuva azul, e eram realmente as minhas melhores amigas da escola, que costumavam vir lanchar comigo a casa dos meus avós! Sim, recordo com toda a clareza essas tardes a brincar no jardim, a cantar à chuva, a coleccionar folhas caídas do jovem plátano para decorar livros e cadernos… E a voz doce mas firme da avó, a chamar para dentro de casa, que a chuva redobrava de força!...
E eis que neste momento ouço essa saudosa voz da minha infância!
Sete da manhã. Toca o despertador, implacável algoz de sonhos e libertador de pesadelos. De olhos fechados, estendo a mão para a mesa-de-cabeceira e ponho-me a procurar os óculos às apalpadelas, enquanto lá fora ruge o temporal que me tenta a deixar-me ficar no aconchego de lençóis e mantas.
Ribomba um trovão, e eu sento-me num rompante, meio atordoada. Olhando em redor, reconheço o meu quartinho acanhado do apartamento citadino. Não encontro os óculos, porque não os tenho, não uso, ainda não preciso deles; na mesa-de- cabeceira, um candeeiro moderno, bojudo, ocupa o lugar do abat-jour de florinhas da mansarda dos meus avós, e uma garrafa de água substitui a grande chávena almoçadeira de chá. Mais além está a minha escrivaninha, prenda de fim de liceu, cordão umbilical que ainda me prende a casa dos meus pais, e sobre ela, vários montes de papéis em aparente desorganização, o computador e um grande copo de café vazio, com os restos de uma fina rodela de limão no fundo.
Ainda a reorganizar ideias, levanto-me e encosto-me ao parapeito da janela larga: lá de fora, saúda-me um dia cinzento de Outono. Pela rua vazia passa um dos primeiros autocarros, transportando meia dúzia de passageiros ensonados indiferentes à mensagem do vento e da chuva, bem assim à valsa das folhas ruivas que se vão destacando dos ramos do grande plátano que se ergue diante do meu prédio (Sim, é verdade, aluguei este apartamento, precisamente por causa do plátano).
Dou por mim a recapitular o estranho sonho dessa noite, e proponho-me arrumar a papelada da escrivaninha antes de me concentrar nas tarefas do dia, que incluíam uma visita à minha avó ao fim da tarde, para a modesta celebração dos seus oitenta anos, rodeada de quantos restam da nossa pequena família. Sei que os meus pais vão tentar convencê-la a deixar o velho casarão, demasiado grande e frio, para ir morar com eles ou escolher um lar de terceira idade…
Pego distraidamente numa das composições dos meus alunos de Inglês – a última que corrigira antes de me deitar. Nessa semana, estávamos a ler e reflectir sobre o conhecido conto de Natal de Dickens… E o relâmpago que então iluminou o quarto, iluminou-me também o espírito: nessa noite, por uma incrível associação de ideias do meu cérebro, visitara em sonhos o Outono passado e o Outono futuro, tal como o velho Ebenezer Scrooge vislumbrara o Natal passado e o Natal futuro!...
Tomei uma decisão: vou mudar-me para casa da minha avó! Far-lhe-ei companhia nos anos que lhe restarem, e ali casarei e terei filhos, se tal for o meu destino; e para sempre desfrutarei da companhia amável do plátano do jardim, deliciando-me com os cambiantes que as estações do ano lhe forem emprestando.
Está decidido!
Lisboa, 21 de Setembro de 2023
Ana Ferreira da Silva
Conheço-te
desde do tempo das estações. Como esquecer. Aprende-se na escola primária a
escrever a sua designação com a letra inicial em maiúsculo. Primavera, Verão, Outono
e Inverno. Ou talvez Outono, Inverno, Primavera e Verão já que o mês de outubro
é o nosso mês, o mês em que ambos choramos pela primeira vez. Pode também
dizer-se Verão, Outono, Inverno e Primavera porque a escola primária começa em
setembro. Conheço-te no dia em que vou consoar a tua casa e digo, Inverno,
Primavera, Verão e Outono. Pouco importa a ordem, há muito as estações acabam e
o tempo hoje é fenómeno atmosférico.
É no
Verão que iniciamos a escola primária, tu num edifício, eu noutro. É assim
naquele tempo. Eu uso um vestido de chita pelos calcanhares, tu usas umas
grossas calças de cotim. Recordo-me primaveril a olhar para um rapaz envergonhado,
invernoso. Caminhas só, triste, tinham-te batido. Eu ofereço-me para te
acompanhar a tua casa, tu recusas. És um homem só. Outras vezes nos encontramos
nesse regresso da escola, regresso do nosso nós que alguém espreita. Engraçado,
lembro-me de te encontrar ao regressar da escola sem conseguir recordar-me se
alguma vez te encontro na ida para a escola.
Sim, és
um homem só e só continuas enquanto os cabelos te abandonam. Sorris quanto te
chamo careca e eu gosto desse teu sorriso marcado por uma tristeza que jamais
te larga. Tudo é definitivo em ti embora eu recuse. Um dia hei de ouvir, oh se
hei de, a sair da tua boca uma valente gargalhada. Gargalhar é saúde. Sabes, às
vezes penso que pensas coisas más de mim.
Sou
tua, só tua, sempre tua. Inteira. A minha certeza é a tua existência, o meu
prume a tua presença, a minha alegria o saber-te vivo, a minha luta a tua
juvenilidade, o meu jeito o te amar. Ao fim de trinta e dois anos de casados,
quando te ausentas por dez dias, ando tresmalhada, caminho a ziguezaguear e nem
o telefone atendo, tropeço em qualquer cisco e, sorte a minha, ninguém se
lembra de abrir um poço no caminho que calco. Refugiu-me a olhar campos e
árvores como se por ali ande um vento que te traga para junto de mim. O vento traz
nada, só vento a ventar. Pelo menos dá-me o ar que a custo respiro.
Queimo
o passado em cada instante que passa e a cinza é esse teu olhar que me abraça,
que por vezes foge num desmerecimento que me perplexa e me atira para ti em
entrega única e permanente. Sou em ti presente e futuro. Se recordo o instante
em que te conheço, se lembro o tempo da escola primária, é porque o nós que ali
se forma e é volume é hoje pleno, aflora à minha mente, acalenta o meu coração
e arremessa-me para o teu colo.
Sem
angústia que as lágrimas que a vida chora limpam-se com um sorriso e muita
abnegação. Queres, queres! Se largas morro e sou a tristeza se me eutanásias. Quando
adormeces vales bem a bofetada que te dou. Como pessoa bem-educada que és,
respondes e eu sinto a tua vontade em me poupares. Prefiro que me puxes mas
estou consciente da resistência que ofereço. Puxas-me e eu, em silêncio aceito
mas, nesta idade o meu espírito de aventura é um pouco trôpego e orienta-se
pelo amparo que devo a outros. Por vezes empurras-me e nisso somos parecidos.
Nem eu nem tu temos jeito para caminhar à frente do rebanho. Ambos preferimos
pilotar, caminhando atrás.
Esta
carta é tua, escrita por mim na primeira pessoa do singular a plasmar o
instante que espargirmos. Olha, vê; tu, eu, a vida. Vês!? Gosto que vejas a
vida como eu a vejo. Tu, eu, o instante nós, nada mais, mais nada. É assim que
eu sinto vida e a vejo, é assim que eu sou viva. Além? Sim, além és tu, sou eu,
é o instante nós.
Manuel
José
(5) Caem as folhas no outono
Caem as folhas no outono
e minhas memórias seleciono!
Nas folhas verdes revejo
meu ansioso e infantil ânimo
que contrasta com o terrível desânimo
das folhas em tom de castanho!
Vejo nas folhas de tom amarelo
os meus tempos de tonto atropelo!
Mas são as folhas pintadas de vermelho
que melhor traduzem meu viver inteiro!
O outono é uma estação
que tal como a Vida
tem uma certa duração,
diversas cores e muita reflexão!
Caem as folhas no Outono
e nunca meus sonhos abandono!
Eliana Pereira
(4) Caem as folhas... Anoitecer
Benilde Santos
(3) Dança Outonal
Num banco de jardim a descansar
Observo as folhas de tom barrento
Dançam no ar sopradas pelo vento
E de tanto que giram, parecem voar!
Vendo-as assim, paira a conclusão
Que também eu fui fresca e viçosa
E o ciclo, antes menina… agora idosa
Enche de paz e alegria o meu coração
E na quietude deste banco de jardim
Dançam as folhas no ar e em mim
Benilde Santos
(2) Caem as folhas… Cocuana
Irmão e irmã protegiam-se.
Ele desejado, ela sobrevivente.
Se de idades mais próximas
Gémeos seriam, tal eram semelhantes ao olhar.
Embora ele claro de olhos verdes,
Ela mais mulata de olhos amêndoa.
Um dia abalaram até às palhotas
Lá no mato.
Uma cocuana chamou-os,
Observando-os.
Convidou-os para partilhar a refeição.
Peixe frito, molho e
Bolas de farinha de mandioca.
Lambuzaram.
Cocuana, adivinhou-os.
Rapaz triste, mas um Coelho.
Rapariga só, mas com muitos nela.
Iria sofrer, teria algumas alegrias.
O seu tempo não era este.
Passaria para outro ao meio século.
Deixaria mais um vazio nele.
Ela era a Wananga do avô.
Ele o menino da avó.
Seria muitas coisas.
Cumpriria seu propósito
Mas um dia teria de se aceitar – tinha dons.
Cocuana não errou.
O menino,
Agora homem.
Ficou mais vazio.
Vestido de branco,
Triste com irmão africano,
Que faltou a despedida fúnebre.Bastos Vianna
(1) Caem as folhas… Outono junto à Janela do Quarto
Uma goteira anuncia fins de Verão.
Uma duas três
De madrugada, à terceira, corro a entreabrir a janela.
O primeiro cheiro a terra molhada invade o espaço.
Tia Teresa dizia, lá na minha infância, são os deuses a chorar …
- Estão é a fazer xixi, brincava o tio João.
Adoro quando ela vem,
De mansinho,
Uma duas três …e depois
Em crescendo, sussurrando, gritando,
Rindo, chorando, contra os vidros, e
Depois novamente suave, acalmando adormecendo.
Choram os olhos do menino verde da Amazónia
No papel guache de madeiras sentidas
Florestas verdes e castanhas.
E a chuva do duche no corpo dela,
Imagino como será lavar-lhe o cabelo em espuma
E beber a última gota a escorrer junto ao colo …
Cheiro de humidade em terra vermelha a caminho da Rodésia
E a Matope no rio Chiveve
Ou de areia molhada junto às águas azuis do Bilene
Mergulhos sob chuva no Pacífico.
Chuva de lágrimas, nos olhos,
Verde cobalto, da Mulher na explanada
Doces serenas em cadência.
E o riso,
O riso da minha filha
Brincando com o Outono nas folhas caídas em enxurrada
No reflexo do brilho dos olhos d’avó encantados.
Chuva que lava a alma
Dos amores de verão
Retempera o verdadeiro sentido
Anuncia a vaidade dos fatos completos de Inverno.
A tempestade nos olhos do meu filho …
- Tens medo Pai?
(Tenho, tenho da Mulher Séria, um medo que me pele)
-Não filho. Dá-me a mão e vamos lá …
Chuva que adivinha a saudade do futuro.
Junto à lareira, com o fogo
Aquecendo o soalho de madeira, nos corpos nus deitados
Conversando palavras soltas.
O pardal no beiral do telhado encharcado
As gaivotas recolhidas no lago
A impala bebendo no sopé da Gorongosa
E a leoa rondando …
E a Terra …porquê A terra? Se O planeta terra?!
Então porque não A Marte? Ou A Júpiter!?
Porque não O Terra ou simplesmente Terra como Vénus?
Talvez por ser o único que gere… como O feminino,
Como A Mulher que chora, por si, pelos filhos e pelo Homem dela.
Chuva Dourada no Lago Malawi
De Prata na Lagoa da Vela.
Fugaz viajando buscando
Sempre atrás dela,
Abrigando-se, percorrendo o corredor
Do hotel, número do quarto em memória,
Um dois três
Ao terceiro abrirá a porta (?)
Hora mágica do virar do dia
O coração a transbordar dele,
Como chuva, regará o sorriso dela.
Bastos Vianna