terça-feira, 10 de novembro de 2020

Desafios de autores para autores: S. Martinho (Novembro)



Sejam bem-vindos ao nosso magusto, não de castanhas, mas de talento...
Neste penúltimo desafio do ano, foi usado simbolicamente o S. Martinho, a festa que marca uma última oportunidade para festas de exterior (é favor considerar todos os outros anos antes de 2020) antes de entrar o frio e o Inverno. O desafio era, pois, escrever ou sobre os últimos dias de bom tempo ou sobre os primeiros dias de frio, ou sobre os dois, ou memórias de S. Martinho.
O desafio poderia incluir as típicas quadras, mas não era um requisito, prosa ou poesia, memórias ou ficção era o pedido. Estilo livre.
Um muito obrigado aos autores por mais uma vez nos brindarem com o seu talento.
Boas leituras e bom S. Martinho!



neste fumo da fogueira

nesta fogueira onde assamos castanhas,
lembramo-nos dos castanheiros,
                                               (sim, daqueles que não vergam!)

e somos, e vamos, por aí, pelos becos,
assando o fruto do castanheiro,
pela calada do dia, sorridente como o sol,
vergamos ao som da lua,
mas as estrelas estão lá,
                                    para as vermos fumegar.

ai, se eu tivesse umas mãos, que acabassem,
com o terror,
eu ia comer castanhas e beber o vinho,
da alegria em multidão,
                                assim, sem o verdejar,
dos tamborins e o alvorecer das harpas,
me sinto fugitivo,
                       em alvoroço,
por não chegar ao fumo da fogueira.

Joaquim Armindo


estava eu sentado, para não fugir

estava eu sentado, na alegria de conservar os meus mares,
quando senti a verruga,
do linchamento,
por isso, fui desamparado,
                                      ziguezague, ziguezague, ziguezague,
nos ombros da fugidia, dos relâmpagos,
e das lamparinas serenas do meu sonhar,

alto – disse eu – não vou ficar sentado,
e levantei como um tronco,
                                       do florescer das nossas vidas,
alto – disse eu – não vou ficar sentado,
e vi a maresia,
                                       as marés não nos deixam sós,

assim na música dos ouvidos, naquela que ouvimos pela manhã,
sim, vão aparecer as escadas,
que nos livram dos ventos frios,
nas noites do nevoeiro.

Joaquim Armindo


Outono

O verão é já lembrança
Foi-se o tempo do estio
O outono com pujança
Pinta a paisagem com brio!

O astro-rei amornou
Beija a pele com carinho
O outono já chegou!
Lentamente de mansinho!

Evolam-se os odores
Dos campos e dos pomares
Numa amálgama de cores
E perfumes pelos ares!

Muda, aos poucos, a paisagem
Profusão em pigmento!
Nos tapetes da folhagem
Vai-se a vida no momento!…

Folha a folha vai caindo
Com mestria e singeleza
Cada árvore se despindo
Adormece a natureza!

Dulce Sousa


NESTE TEMPO

Neste tempo
que rouba o tempo
e leva de nós o convívio
os abraços e os beijos
e os pequenos prazeres
que à vida
e ao tempo
dão o seu real o valor;

Neste tempo
que rouba o tempo
é tempo de em casa ficar
há que arranjar estratégias
para ao tempo o tempo roubar
e ao tempo negar tempo
fazendo o tempo voar
sem que nos deixe tempo
para no tempo pensar;

Neste tempo
que rouba o tempo
é tempo para criar
envolveres teu pensamento
sem que ao tempo dês tempo
para no tempo pensares.
Este tempo vai passar!

Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal – 02/11/2020


Sonhei

Sonhei.
Sonhei um mundo d’Amor
em perpétuo crescimento
como se fora no vento
na asa do meu pensamento
corria os caminhos da Terra
dela erradicava a guerra
e o ódio que a fomenta.

Sonhei…
Meu sonho, uma bela quimera!
Meu sonho é pisado na terra.
O ódio acende mais guerra
A saltitar pela Terra.
Sem espaço definido.
A saltitar pela Terra
Mata, impõe sofrimento,
Em qualquer lugar e momento.

Sonhei
Sonhei um mundo d’Amor
A progredir sobre a Terra
Abraçar em seus braços
O sofrimento e a dor.
Meu sonho, uma bela quimera!
Meu sonho é pisado na terra.

Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, 03/11/2020


O Cão de olhos-verdes

Laranja.
Um laranja acastanhado.
Aqui e acolá diluindo-se nas poças d’água salgada reflete-se em tons púrpura.
Assim se despedia um Sol, pressentido, por detrás das nuvens espessas, escuras de bronze, num fim de tarde de testemunho de Verão para Outono ...
A areia rangia, massajando os pés alvos, descalços, em grãos de cascalho, de conchas partidas e seixos rolados multicores, quebrados pelas últimas marés de equinócio-.
Dois pontos castanhos, bailavam junto à espuma em vaivém e cadência ritmada e uníssona.
Distinguiam-se no tamanho e, observando melhor, no ritmo mais nervoso de um dos vultos..
No aproximar, lento, um era alto e esguio em movimentos lentos; outro em espasmos nervosos, mais horizontal, tocando e encaixando-se, como em dança coreografada, nos movimentos do primeiro.
Já mais próximo e sob uma chuva miudinha molha-tolos, os pontos tomam forma - um Homem e um Cão!
Calças de bombazina, castanhas, compridas até umas botas de caminheiro, gastas, de talvez muitas areias; debaixo de um enorme casaco de cabedal castanho-curtido, de vez em quando um rasgão de camisola púrpura; movimentos soltos de cachecol branco afagando uma cabeleira camurça-grisalha ...
Sons fortes, curtos, entre sorriso e ordem mas suaves, entrecruzam-se com latidos soltos, felizes.
Pêlo curto-sedoso, castanho-camurça quase laranja, polvilhado de branco no peito e de luvas brancas ansiosas.
Na cadência de movimentos formam mancha laranja, sincopada, em harmonia silenciosa com a valsa lenta da maré vaza.
Na passagem, por um momento fugaz, senti a força de dois pares de olhos verdes sorrindo, cúmplices, em Paz! 

Bastos Vianna



Quadras de S. Martinho

S. Martinho quem te entregou
Essa conversa do vinho
Do frio aparece o calor
Teu manto é do pobrezinho

O gelo surge em fogueira
Desse manto cortado a meio
Do teu corpo raia o verão
Que bate no pobre em cheio

Venham castanhas e vinho
Alfaiate apruma o corte
Ao cavaleiro coragem
Ao pedinte melhor sorte

O curtidor assim o quer
E o restaurador também
A todos a tua proteção
Para que o mundo fique bem

Nascestes em Tours, Gália
E aí te recolhestes
Pela Europa espalhastes a fé
Foi Cristo que elegestes

Manuel José Martins



Outono junto à Janela do Quarto

Uma goteira anuncia fins de Verão. Uma duas três De madrugada, à terceira, corro a entreabrir a janela. O primeiro cheiro a terra molhada invade o espaço. Tia Teresa dizia, lá na minha infância, são os deuses a chorar … - Estão é a fazer xixi, brincava o tio João.
Adoro quando ela vem, De mansinho, Uma duas três …e depois Em crescendo, sussurrando, gritando, Rindo, chorando, contra os vidros, e Depois novamente suave, acalmando adormecendo.
Choram os olhos do menino verde da Amazónia No papel guache de madeiras sentidas Florestas verdes e castanhas.
E a chuva do duche no corpo dela, Imagino como será lavar-lhe o cabelo em espuma.
E beber a última gota a escorrer junto ao colo …
Cheiro de humidade em terra vermelha a caminho da Rodésia E a Matope no rio Chiveve Ou de areia molhada junto às águas azuis do Bilene Mergulhos sob chuva no Pacífico.
Chuva de lágrimas, nos olhos, Verde cobalto, da Mulher na explanada Doces serenas em cadência.
E o riso, O riso da minha filha Brincando com o Outono nas folhas caídas em enxurrada No reflexo do brilho dos olhos d`avó encantados.
Chuva que lava a alma Dos amores de verão Retempera o verdadeiro sentido Anuncia a vaidade dos fatos completos de Inverno.
A tempestade nos olhos do meu filho … - Tens medo Pai? (Tenho, tenho da Mulher Séria, um medo que me pele) -Não filho. Dá-me a mão e vamos lá …
Chuva que adivinha a saudade do futuro Junto à lareira, com o fogo Aquecendo o soalho de madeira, nos corpos nus deitados Conversando palavras soltas. O pardal no beiral do telhado encharcado As gaivotas recolhidas no lago A impala bebendo no sopé da Gorongosa E a leoa rondando …
E a Terra …porquê A terra? Se O planeta terra ?! Então porque não A Marte? Ou A Júpiter !? Porque não O Terra ou simplesmente Terra como Vénus? Talvez por ser o/a única que gere …como O feminino, Como A Mulher que chora, por si, pelos filhos e pelo Home dela.
Chuva Dourada no Lago Malawi De Prata na Lagoa da Vela. Fugaz viajando buscando Sempre atrás dela,
Abrigando-se, percorrendo o corredor Do hotel, número do quarto em memória, Um dois três Ao terceiro abrirá a porta (?) Hora mágica do virar do dia O coração a transbordar dele, Como chuva, regará o sorriso dela.

Bastos Vianna

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