Conte-nos como e porquê começou a escrever,
por paixão ou por necessidade?
Comecei
a escrever por necessidade. Nasci e cresci numa aldeia minhota. Vivia numa casa
cheia de muitas conversas e de histórias cruzadas e amadurecidas entre gerações,
com muitas gargalhadas, muita azáfama à boa maneira do Norte: numa dinâmica
muito própria, de muita partilha, de muita interação com os vizinhos, uma vida
muito vivida uns com os outros, sem monotonia ou falta de companhia e muito
menos de conversas. No momento em que me caso, sigo outro caminho e vou viver
para outra cidade, onde não conheço ninguém, sobram palavras, mas faltam
pessoas. Percebo, assim, no meio deste silêncio e desta solidão que eu sou a
minha melhor companhia. Embora não tenha com quem conversar, descubro muitas
histórias dentro de mim a brotarem, a quererem ganhar vida. Estiveram lá desde
sempre, desde a infância e eu só precisei deste encontro comigo e com este
lugar despovoado das minhas pessoas para as ouvir. Por isso, a escrita começa
com esta necessidade de encontrar uma companhia para mim e com a precisão de me
ouvir e de me redescobrir, ao permitir ter acesso a este acervo interior e a
esta viagem ao que sou e tenho. E a partir daí, inicio esse registo e começo a dar-lhes
vida através das minhas palavras.
Qual o papel que a escrita ocupa na sua
vida?
A
escrita tem sido uma forma tão profunda quanto honesta de estar comigo. Escrevo aquilo que eu sou e que tenho dentro
de mim. A palavra escrita é uma companheira, testemunha, confidente e terapia
em vários momentos da minha vida, seja em celebrações, em fases menos bonitas
ou até trágicas, mas que encontro no registo escrito esta cumplicidade e esta
profundidade. É, da mesma forma, legado e eternidade, pois tenho na palavra
escrita a mais bela herança que deixarei ao meu filho.
Não. Sempre gostei muito de ler. A
leitura foi a minha primeira paixão e uma companhia insubstituível em diversos
momentos da minha vida. Nunca ambicionei escrever um livro, pois achava que esse
dom estava destinado a seres superiores, entidades quase divinas; alguém que já
tinha vivido muitas vidas e que, por isso, teria muito para contar, para dizer
aos outros. Eu estaria noutra categoria: a dos leitores, aqueles que se
deslumbravam, sonhavam e deleitavam com as palavras e histórias que tinham sido
escritas, até ao dia em que escrevi também eu uma história e alguém a leu. Muitos
leitores a ouviram e tantos outros sentiram exatamente o mesmo que eu tinha
sentido em relação a outros autores, deixando-se levar e sonhar através das
minhas palavras. Aí, sim, percebi que havia público para a minha história e que
ela merecia um livro.
Qual é a sensação que tem ao ver, agora, o
livro nas mãos?
Ao
ter um livro meu nas mãos, sinto que posso partilhar com os outros o melhor que
tenho e sou, o que mais gosto de fazer, como se fosse um tributo à vida e a
tudo o que tenho vivido, aprendido, sonhado e que passa a estar ao dispor de
outras pessoas, através desse objeto tão vivo, belo, sério, requintado e
eterno: um livro. Um livro será sempre a materialização de um sonho.
Continuo a sentir vontade e necessidade de
escrever. Tenho muitas palavras guardadas no coração, no computador e em
cadernos avulsos de muitas páginas manuscritas. Gostaria, naturalmente, que
essas palavras dessem origem a histórias que chegassem ao coração de muitas
pessoas, embora não tenha, por agora nenhum projeto definido.
Fale-nos um pouco sobre o(s) seu(s) texto(s)
ü «Melinda»: Trata-se de um conto
infantojuvenil que aborda a persistência, o sonho e a imaginação como as
grandes alavancas da infância. Nele ecoa aquele querer desmedido, sem limites
nem fronteiras e a luta e perseverança para a sua concretização. «Melinda» é uma
voz infantil que nos fala ao coração e que nos vem confirmar o que dizia Walt
Disney: «se é possível sonhar, é possível realizar». Melinda, a personagem que
dá nome ao livro, é essa voz firme. Esta personagem é também o símbolo da
infância no seu estado mais puro e primitivo, no contacto próximo e genuíno com
a natureza e com a sua aldeia, a comunidade envolvente que participa e
enriquece esta história vivamente.
ü «Encanto
de Natal»: Este conto de Natal é um texto profundamente marcante e comovente
para mim. Escrevê-lo significou regressar à escrita e ao conforto de um tempo
muito feliz, inocente e pueril (o passado), durante um período de dor
implacável causada pela perda da minha mãe e pela vivência desse luto
(presente). Mais uma vez aqui, a escrita a firmar-se como um momento
terapêutico, catártico e um pretexto precioso e necessário para fazer essa
viagem de regresso à felicidade e à magia da infância e do Natal em todo o seu
esplendor. Esta narrativa nasce de um lugar de conforto pela presença doce e
sublime da minha mãe durante todo este processo criativo. Além disso, é uma
história que nos transporta para a década de oitenta, em que o mundo era um
lugar bem diferente do de hoje: a felicidade nascia de tanta espontaneidade e
simplicidade, que quando aparecia sob a forma de uma construção era o resultado
de muito esforço, trabalho e abnegação. O pouco transformava-se em muito; em
tudo, até. A valorização desse esforço, o espírito de união, de conquista, o
encantamento que se aconchega num lar em época natalícia são valores que
iluminam este texto. É pelos olhos graciosos (e também algo cobiçosos!) de uma
criança que somos convidados a eternizar estas memórias simples de um Natal verdadeiramente
feliz.
Existe alguma parte do texto, em
particular, que goste mais. Porquê?
Gosto muito de cada história minha como um
todo. Olho para elas com uma visão integrada e integradora daquilo em que eu
acredito, até porque reconheço esta coesão e coerência entre os vários momentos
que as constituem e que se alinham com a forma como eu olho para a vida, penso
e escrevo as histórias. Esta harmonia
baseia-se, sobretudo, na verdade que existe entre Melinda e aquilo que eu sou:
a menina que continua a tentar, a tentar, a lutar; a menina que sonha e parte
em busca de alcançar o seu objetivo, de dar verdade ao seu sonho, fruto da
determinação, otimismo e persistência. Posso, ainda, destacar a referência/ a analogia
que encontramos com a mitologia grega e com a lenda de Ícaro. Finalmente, este
texto tem a capacidade de realçar este desejo antigo de o ser humano almejar a
proeza de voar, de se elevar nos céus. Melinda é a metáfora da força
empreendedora que quero continuar a ter para elevar os meus sonhos ao
digníssimo estatuto de realidade. No caso do texto «Encanto de Natal», aprecio
a envolvência tão doce e tão pura que atravessa esta narrativa. Não posso
deixar escapar, porém, um conjunto de tradições natalícias que aqui são
recuperadas e, portanto, revividas através de um retrato fiel do Natal da minha
infância. E havia Natal mais bonito…? Seguramente que não.
Indique as razões pelas quais aconselharia
as pessoas a ler o seu texto? O que acha mais apelativo no seu texto?
Esta é uma resposta muito difícil e de grande
responsabilidade…
Aconselharia as pessoas a lerem os meus
textos porque apelam sempre à descoberta de um caminho feliz, tendo como fonte
de inspiração a minha infância, as minhas emoções, o meu olhar sobre o mundo,
sobretudo, o mundo interior. Ler os meus textos é simplesmente fazerem este
caminho comigo, ouvirem a minha voz, mesmo que não me conheçam. É relembrarem o
poder do sonho, abrindo o seu coração e deixando-se abraçar por este
encantamento que vive em nós e que tantas vezes é esquecido porque somos um
lugar de histórias bonitas e os meus textos levam-nos até lá.
Gosto
de escrever para a infância e quero acreditar que o faço, independentemente da
idade de quem lê os meus textos. Gosto de convocar os meus leitores para a sua
infância. Por isso, o meu objetivo será sempre despertar nos corações que me
leem ou que me ouvem essa vontade consciente ou inconsciente de regressarem a
um lugar que os provoca, que os incita, interpelá-los a algo, seja através do
resgate de memórias, de um sorriso no rosto, da reprodução de um momento... Não
tenho a pretensão de passar uma mensagem, mas antes apelar à reflexão, à evasão
e talvez (se possível) à alienação dos problemas perturbadores do momento
presente. Gosto de escrever histórias felizes, bem-humoradas, por vezes,
descabidas e inesperadas, de ser autora de mundos possíveis, de experiências de
contentamento, de dar passos silenciosos com as palavras, mas que ecoem de
forma profunda no ser humano, seja criança ou adulto. E penso tê-lo conseguido
nos livros e textos da minha autoria já publicados «Lucas no mundo da lua»
(2020); «Amor a meias» (2023); «Melinda» (2023) e «Encanto de Natal» (2023).
Considero
inegável o papel das redes sociais na divulgação e promoção da obra de um
autor. Além disso, as redes sociais proporcionam o contacto e uma conexão muito
positiva entre interesses comuns, seja autores e leitores, seja entre autores,
apenas, ou editoras e autores, por exemplo. É um mundo de informação e partilha
que está à nossa disposição e do qual poderemos tirar proveito.
Alguns
leitores contactam-me através das redes sociais, dando-me conta de que exploraram
uma obra minha em determinado contexto, o que me deixa muito muito feliz e
prestigia o meu trabalho, sem dúvida. Também enquanto leitora, gosto de o fazer
e, por diversas vezes, já usei as redes sociais para parabenizar um autor pela
sua obra. A última vez que estabeleci contacto foi com a autora da obra
«Gustavo e a oficina mágica», de Marta Coruche, um conto infantil da Editora
Tecto de Nuvens que muito apreciei. Esta interação e aproximação entre autor e
leitores e vice-versa é evidentemente muito positiva e enriquecedora. Também
aproveito as redes sociais para publicar e divulgar atividades que eu vou dinamizando
à volta dos livros (literalmente). Sendo assim, é na conta de instagram m.alexandracarneiro que me poderão encontrar.
Sim,
gosto muito de ler e privilégio literatura infantil ou os autores clássicos.
Não leio tanto como gostaria nem com uma continuidade regular, até porque não
olho para a leitura como uma obrigação ou como uma lista que tenha de seguir
para cumprir metas ou objetivos. Nada disso, para mim ler é entregar-me a
outras vidas, a outros enredos. Gosto de terminar um livro e ficar a morar na
história, a desfrutar do deleite que aquela experiência provocou em mim.
Contos Contados e Encantados – Contos Infantis -; Vários autores
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