quinta-feira, 9 de abril de 2020

Desafio de autores para autores: "Era uma vez..."


Mais uma semana, mais um desafio. Desta vez prosa, num texto com 300 palavras é-nos contado um conto, experiência, etc., começando, obrigatoriamente, pelo originalíssimo: "Era uma vez...".
Onde assinalado podem clicar para terem a leitura feita pelo próprio autor.
Agradecemos aos autores pela sua inspiração e aos leitores pelas visitas. Estejam à vontade para também deixar as vossas sugestões/comentários.


Rei na barriga

Era uma vez um pequeno rei que vivia num castelo muito especial, a barriga da sua mãe. Sentia-se muito feliz e protegido. Havia dias em que a alegria era tanta que não aguentava sem a exprimir, e pulava. Então ouvia a mãe dizer:
-  Lá está ele a dar-me pontapés! Será que vai ser futebolista?
Mas o pequeno rei não pensava em nada disso. Se pudesse, não saía da barriga da mãe, embora tivesse curiosidade de a ver do lado de fora. De certeza que era a mulher mais linda do mundo. Por dentro, era lindíssima. Sentia o seu coração bater com emoção e ouvia a sua voz serena, feminina e agradável. Habituara-se a ouvi-la cantar, rir, ler histórias e conversar com ele. Era uma voz inconfundível e que lhe fazia companhia. Eles eram inseparáveis. Não podiam viver um sem o outro. Ele nela e ela nele. Sentia-se muito feliz na sua barriga e não tinha pressa em sair daquele reino. Ela dizia-lhe que iria ser recebido com muito amor por si e pelo seu pai, e que lhe estavam a preparar um lar muito acolhedor. Ele acreditava, mas tinha receio, pois por vezes sentia que a sua mãe estava triste com o mundo em que vivia, ou melhor, com a humanidade, quando desabafava:
-Sabes, meu rei, estamos no século XXI, houve tanto avanço da ciência, e no entanto a história repete-se: matam inocentes por fanatismo e poder. O medo instala-se. Há muita solidão. As pessoas vivem num mundo digital de telemóveis ou redes sociais e nem se olham. O Homem não respeita a vida, o seu bem mais precioso.
Isto dizia ela, quando ouvia as notícias na televisão e, então, o pequeno rei encolhia-se com medo, mas logo de seguida ouvia-a dizer:
-Não te preocupes, meu rei, terás família, amigos e um anjo da guarda para te proteger. Serás bom, forte e destemido. Tornarás este mundo melhor. Farás o bem. Sim, porque tu és esperança e contigo a vida será ainda mais bela, neste outro reino que brevemente conhecerás.
Então começava a falar-lhe do sol, da lua, das estrelas, do mar, das flores, dos animais, da chuva, do calor, enfim, das maravilhas que a rodeavam e que amava. Ele também as amaria e lutaria para as preservar.
Nestes momentos, o pequeno rei dava uma cambalhota e sentia-se poderoso. Até parecia que era o Homem- Aranha ou outro herói das histórias que a mãe lhe lia e, então, não tinha medo de nada. Confiava na sua mãe e em si. Ele e os seus familiares formariam uma equipa fantástica. Como lhe citava a mãe: " O Homem é do tamanho do seu sonho."
Entretanto, o pequeno rei aproveitava para dormir enroladinho na sua barriga, sem pressas, aguardando o seu Natal.

 Maria José Moura de Castro

(Pintura de José Silva)



o rouxinol que cantava ao meio dia

era uma vez um rouxinol. e cantava ao meio dia. por entre as labaredas das fontes e as esperanças dos rios. uma vez o rouxinol deixou de cantar ao meio dia. e todos os animais da terra se perguntava o que seria do rouxinol. porque estávamos na selva os primeiros a dar a notícia foram os macacos. saltaram de árvore em árvore à procura do rouxinol. mas tiveram que pedir aos galos para também procurarem o rouxinol que cantava. nada conseguiram. então foi a vez do leão que comandava aquela floresta dar ordem aos peixes-voadores para procurarem o rouxinol. seria uma catástrofe se não o ouvissem a cantar ao meio dia.
até os humanos foram chamados. por todo o mundo procuravam o rouxinol que cantava ao meio dia. expedições foram feitas.mobilizaram-se todos os chefes de estado. a polícia e os bombeiros. os cientistas. os médicos. os enfermeiros. os técnicos de diagnóstico e terapêutica. um decreto foi lançado pela organização das nações unidas. os comités especiais de combate ao crime foram ativados. as fábricas dispensaram os seus trabalhadores para procurarem o rouxinol. e as escolas. e os escritórios. e os futebolistas. as televisões e as rádios difundiam mensagens a toda a hora. até o trump andava à procura do rouxinol. e bolsonaro o presidente do brasil. e o primeiro ministro inglês. e todos os bancos por causa da catástrofe económica que viria.
até que escondido dentro do casco de uma árvore encontraram o rouxinol. rouxinol porque não cantas. está o mundo à tua espera. precisamos que cantes ao meio dia. há um vírus – disse o rouxinol – que anda à minha procura. se ele me encontra não posso cantar mais. é o homem. quer destruir tudo.
eu tenho a vacina do amor. e eles sabem matam-me. e depois o rouxinol começou a cantar ao meio dia a canção do amor. e acabou.

Joaquim Armindo




Era uma vez...

Era uma vez um bando de crianças que brincavam ao susto. Era uma vez uma criança que brincava ao susto.
Mais atrevida a criança, pela calada, refreava o passo, surgia pelas costas de uma colega, num instante agarrava-lhe em ambos os braços e sacudia-a com brusquidão enquanto soltava um berro à mistura com uma risada sinistra e um tanto divertida. O bando olhava e a criança sacudida arreguilava os olhos e colava a mão ao peito.
Era uma vez uma criança que se acoitava agachada no meio de erva alta, se escondia numa esquina, atrás de uma porta, murro, morro ou árvore, em silêncio e paciente aguardava que outras crianças, os pais ou os adultos se aproximassem o suficiente e zás, surgia de repente e em modos espalhafatosos pregando um susto a quem chega ou está.
As crianças gostam de pregar partidas, de “tirar uma lascazinha” como se diz por aqui.


É uma vez um susto enorme que a criança nem sabe. Surge assim disposto a multiplicar-se no silêncio e no barulho. Surge na primavera quando a natureza acaricia a esperança e desengana a fartança. Aparece disposto a demorar a vida. E a criança, que gosta do susto quando o prega, confronta o adulto assustado. E o adulto, que sabe pregar um susto à criança, descobre que a criança quer fugir, que a criança desacredita no que lhe contam e quer continuar a pregar sustos, a correr, a brincar, a saltar e a sorrir.

O susto é propriedade da criança. O susto adulto é assombro, é humanidade a sofrer. Brincar com as crianças, mil vezes mil vezes, sim. Assustar as crianças com assombros, nunca.
Anda por aí uma coisa qualquer, dizem que é vírus, que a criança desmerece. Roubaram brincadeira às crianças, retiraram-lhe o melhor da alegria que elas nos entregam.

Manuel Martins

(pode ouvir o texto em:) https://1drv.ms/u/s!AsQetRjqtVuwgSknz0LQHciMpsm9


Próximos desafio: a publicar brevemente.
Continuamos a aceitar as vossas sugestões.
Bom trabalho!
Os trabalhos deverão ser enviados por email para geral@tecto-de-nuvens.pt ou tectodenuvens@hotmail.com

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