quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Um dia com... Ilda Pinto Almeida em: Fevereiro

  "Um dia com..." é uma espécie de página de diário, real ou fictício, aqui cada autor pode fazer o relato de um episódio, fazer uma reflexão, colocar um pensamento, uma foto...

Estará disponível todo o ano, independentemente de outros projectos a correr aqui no Blogue. E está aberto a todos, se tiver algo que queira partilhar, pode enviar para geral@tecto-de-nuvens.pt ou tectodenuvens@hotmail.com indicando no assunto "Um dia com...". Podem enviar quantas participações quiserem.

Depois de ter gozado um ensolarado dia com temperaturas a rondar os 8 graus e ter visto os primeiros sinais da Primavera, a autora Ilda Pinto Almeida, residente na cidade de Elizabeth, Estados Unidos, foi dormir para acordar com um cenário completamente diferente: tudo coberto de neve! Fica aqui a sua ode ao mês de Fevereiro, um travesti de cores, temperaturas e ambientes...

QUEM SE ATREVE A DIZER

Fevereiro já não sei se te escreva

Ó eterno travesti em transição
Misterioso, carnavalesco e duvidoso
A sociedade anda por aí confusa e esquisita
Mas tu Fevereiro sempre foste conspirador
Nessa alquimia meio inverno e meio três- Marias
Crês no amor, vermelho
Roxo, laranja
Sempre à distância
Cujo afago é fragrância
Daquela que vem a seguir

Ainda  ontem

Oferecias um copo de sol
Acompanhado de chilreios musicais
E botões de flores semiabertas nupciais  
Em uma bandeja calorenta
Que mais parecia juventude
Vestias-te de roupagem leve
Calorosa e alegre

Hoje serves um copo de leite coalhado

De uma brancura exorbitante
O calor, esse, só no coração!
No entanto
Desde o  aconchego da casa posso admirar
Pela janela 
Um cardinal com sua cor vermelho garrido
Amor vermelho
Nos ramos brancos da árvore que justamente brotava 
Com seus botões semiabertos
 Talvez hoje estejam a tremer
Cobertos de branco
À  espera que lhes seja servido um copo de sol!

A  noiva

Essa está delirante
Amanhã e pelos dias seguintes
Estará vestida
Primeiramente de cinza
E logo de viúva
Com as vestes da poluição
Tão fortes como as guerras
Deste século corrompido
Ucrânia
Palestina e outras mais!

À  espera da quentura

Dos  astros para se recolher
À  rendição

És Fevereiro imitador

Travesti imudável
Nesta sociedade esquisita e confusa
Também ela em transição  

 








Fotografias de Ilda Pinto Almeida

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Livro "Contos Contados e Encantados..." - vencedor de entre os votantes

 


Já foi sorteada a chave do Totoloto deste sábado, 17 de Fevereiro, e o número da sorte foi o 5. Sendo assim os votantes com o número 5 e números terminados em 5, ficaram elegíveis para o nosso sorteio. O número sorteado foi o 15 e pertence à Alexandra Carneiro. Muitos parabéns!

Muito em breve vai receber o nosso catálogo infantil de onde poderá escolher o seu prémio: quatro livros.

Ainda a propósito das Vaidosicezinhas XVII...

 Se quiser aceder ao post original basta clicar aqui.

Porque a iniciativa da Maria Saraiva de Menezes gerou aplausos, mas também dúvidas sobre como fazer para aderir a este projecto, damos, mais uma vez, voz à Maria:



Olá,

Se quiseres ler e gravar uma história infantil (ou mais), podes enviar o vídeo (por WeTransfer) para o e-mail:
Não precisas de ser escritora ou autora de histórias para participares neste projecto. Basta teres uma voz suave e leres uma história de que gostes muito, que costumes ler aos teus filhos ou netos ou que sintas que deva ser contada.
Todas as semanas, será carregada para o canal YouTube da BENGALA MÁGICA - ASSOCIAÇÃO DE PAIS, AMIGOS E FAMILIARES DE CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS CEGOS E COM BAIXA VISÃO.

Nota: antes de leres a história, apresenta-te primeiro e depois faz uma descrição física de ti, já que estas crianças não te podem ver. Podes também apresentar a história com uma breve contextualização, antes de começares. Se achares importante e belo, descreve algumas das ilustrações, assim como a da capa.

Nunca se deve dizer a moral da história. Cada um chega lá pela sua cabeça e experiências subjectivas. Basta terminar e dizer: FIM

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Nova edição de "A Casa do Lado", de Melissa de Aveiro, já à venda

 


A Casa do Lado - nova edição -; Melissa de Aveiro
PVP: 14
210 páginas, capa mole; Tecto de Nuvens, 2024

 

Após um acontecimento familiar, Marta, de dezasseis anos, é obrigada a abandonar as suas “raízes”. 
Ao mudar de residência e, consequentemente de escola, sente necessidade de criar novas amizades, enfrentando divergências que a colocarão à prova.
Mas isso é o menos… à medida que os dias vão passando, depara-se com algo sinistro, na casa do lado. 
Uma luz que pisca sem parar! E aquele rapaz alvo, que está sempre a desaparecer… Será que estará a alucinar?

E não deixe de acompanhar Marta e a sua nova vida, já na Faculdade em: 


Livros à venda na nossa loja online e nas principais plataformas online nacionais e internacionais.

Contos Contados e Encantados... - texto favorito do público

 



E numa votação que se tornou muito renhida, literalmente, nas suas últimas horas, o conto "O Segredo da bisavó Beatriz" acabou por ser o vencedor. Muitos parabéns à autora, Marta Graça.
Os nossos parabéns também para as autoras classificadas em segundo e terceiro lugar, respectivamente: Alexandra Carneiro e Ana Pepa.
E o nosso obrigada a quem votou, estejam atentos ao sorteio do prémio.
Quanto às autoras, brevemente receberão as suas lembranças.




1º Segredo da bisavó Beatriz; Marta Graça  VENCEDOR


2º  Melinda; Alexandra Carneiro
 Kinkas, o bezerro feliz; Ana Pepa

E para aguçar o apetite de quem ainda não leu o conto vencedor, fica um excerto.

Quando João e Carolina despertaram do sono, já os raios de sol mais atrevidos invadiam os seus quartos. Lá fora, o chilrear dos passarinhos anunciavam a chegada de um novo dia e o sopro do vento trazia consigo um toque de alegria!

Era o primeiro dia de férias dos dois irmãos. João e Carolina mal podiam conter a sua animação, sentiam um arrepio na espinha e o seu coração batia com emoção. Havia tantas aventuras lá fora à sua espera! Num impulso, deram um salto da cama, vestiram-se e correram a tomar o pequeno-almoço.

Como já era costume, os meninos iriam passar a maior parte das suas férias em casa dos avós, pois os seus pais trabalhavam bastante para sustentar a família. Por isso, depois de comerem, prepararam as suas mochilas e puseram-se a caminho, sempre acompanhados dos seus melhores amigos, o cão Traquina, a gata Tareca e o passarito Pipo.

O bom de se morar numa aldeia, é que tudo fica perto, e bastou atravessarem um pequeno carreiro de terra batida, cercado com lindos arbustos de alecrim, para chegarem a uma casa de pedra pequenina e aconchegante no cimo do monte: a casa dos avós! Os meninos mal podiam esperar por ouvir as histórias de outrora que o avô sempre lhes contava, cheias de aventuras e mistérios, e comer as deliciosas bolachinhas que a avó sempre lhes fazia.

Ora coisas para fazer ali não faltavam: jogar à bola, saltar à corda ou até refrescarem-se na ribeira. Naquele momento, os meninos preparavam-se para fazer um teatro improvisado com histórias que inventavam.

- Precisamos de acessórios. – dizia Carolina – precisamos de um chapéu para o Traquina e um laço para a Tareca. Vão ser os atores principais e precisam de estar janotas!

- Ó avô, não tens por aí uns trapinhos velhos que nos possas emprestar? – pedia João.

- Bem, alguma coisa se há de arranjar.  – respondeu o avó com um sorriso – procurem lá em cima no sótão, dentro da arca que era da vossa bisavó Beatriz, acho que a avó tem lá uns tecidos e roupas velhas.

O sótão da casa dos avós parecia mágico. Sempre que lá iam, os dois irmãos descobriam coisas novas que nunca tinham visto. Além disso, através da sua janelinha redonda, conseguia-se ver toda a aldeia. Era como se estivessem em cima da muralha mais alta de um castelo, e tivessem o controlo de tudo o que acontecia no reino.

Para abrir a arca velha da bisavó Beatriz foi preciso a ajuda dos braços fortes do avô, pois como a mesma era toda construída em madeira, tornava-se muito pesada. Mas depois do esforço, veio a recompensa. O que não faltava lá dentro eram belas fatiotas, que encaixavam na perfeição no que os meninos procuravam. Estavam quase a terminar a procura, quando ouviram um ranger estranho, seguido de um enorme estrondo.

- Oh não! – exclamou João – A tampa da arca estragou-se e caiu no chão!

De facto, as dobradiças velhas que seguravam a tampa não aguentaram o peso e o grande pedaço de madeira estatelou-se no chão. E para maior azar, quando o avô e a avó iam a tentar levantá-la de volta, uma das peças soltou-se.

- E agora? – perguntava o João preocupado.

- Não se preocupem meninos, isto já é velho, mas tem conserto. Só precisa de umas belas horas na minha oficina, e fica como novo.

- Mas… olhem ali! – exclamou Carolina pasmada com o que os seus olhos viam – Aquele pedaço de papel saiu de dentro da tampa!

João aproximou-se do papel amarelado caído no chão, e desdobrou-o com jeitinho.

- Isto é…

 - Um mapa do tesouro! – exclamaram os dois irmãos em coro. (...)


Para mais informações sobre a colectânea, clique aqui.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

AMOR: Desafios de Fevereiro - TEXTOS VENCEDORES + VOTANTE VENCEDOR


Mais um ano, mais Desafios e mais, esperamos sempre que mais, AMOR. A melhor maneira de arrancarmos mais um ano de trabalhos é assim, cheia de amor - todo e qualquer amor, incluindo, naturalmente, o amor pela vida. Aceitamos pequenos contos e poesia (em todas as formas que pretenderem, incluindo quadras).

Os trabalhos são publicados neste blogue a 14 de Fevereiro, Dia Mundial do Amor, do Casamento e dos Namorados (S. Valentim) e até ao dia 29, teremos uma votação a decorrer para encontrar o texto favorito dos leitores.
Como habitualmente, as votações serão feitas usando a caixa de comentários (já sabem que tem moderação pelo que os comentários/votos não ficam visíveis de imediato), não há limite para o número de vezes que podem votar ou em quem votar, apenas se espera algum bom senso (e apesar de aceitarmos que no blogue as votações ficam anónimas, só validaremos os votos após recebermos por email a identificação do votante e forma de contacto, assim que lhe atribuirmos um número).
O texto mais votado receberá um exemplar do livro "Olhar de Amor" + caneca "Be My Valentine" e sortearemos um dos comentários/votos para receber um exemplar do livro "Olhar de Amor" (livro entregue em saco de organza, com cartão de mensagem igual ao livro para acompanhar uma prenda e um marcador de livro).

Findas as votações e contabilizados todos os votos que foram validados, temos um empate o que dá, muito apropriadamente, um par de vencedores: "Marimbas de Sofala" de Bastos Vianna e "Anelo" de Ilda Pinto Almeida. Aos dois, os nossos parabéns!
Sortearemos entre os dois quem vai ficar com a caneca "Be My Valentine" (que entretanto, e temporariamente, esgotou para além da unidade reservada para este Desafio) e a caneca "Bodas de Prata". As canecas serão acompanhadas pelo exemplar do livro "Olhar de Amor".

Caneca "Bodas de Prata"


Aos votantes os nossos agradecimentos, aqueles que tiveram os votos validados terão a oportunidade de ser sorteados no próximo sábado para, também eles, receberem o livro "Olhar de Amor".
Boa sorte!

O sorteio do Totoloto do dia 2 de Março de 2024 teve o número 6 como número da sorte. Infelizmente os números 5 e 6 pertenciam a votos não validados (e entretanto retirados do blogue), pelo que todos os votantes elegíveis foram a sorteio. Saiu o número 10, do Francisco Arantes que, muito brevemente, vai receber o seu exemplar do livro. Muitos parabéns!
Muito obrigada a todos os que votaram...

(7) poema numa noite de amor


pelas margens do rio douro,
bem perto da ribeira,
dormimos embalados pelo sonho de amor,
com as águas do rio serenas, sem encalhar,
e os meninas e meninas a nadar,
num mergulho da ponte, a ponte do nosso coração,
as pataniscas de bacalhau chamando a todos,
que viajam, sem pestanejar, pelas ruas,
mas também pelas vielas, onde tantos namorados
se beijaram em noites escuras,
e a história foi beber às fontes escondidas dos cantares,
das gaivotas,
onde o amor-perfeito florido constrói tantos namoros,
não ofuscados pela moral,
das ladeiras do paço episcopal,
ah! aí estão os gritos inesperados das três da manhã,
esperando novos rios de paz,
tantos e tantos, como os floridos jardins dos nossos corações,
do rio,
apascenta o luar,
da noite da esperança,
correndo dias de abraços e noites,
onde só o rio nos espreita.
joaquim armindo


(6) ANELO


O amor
é perfume
movediço
como as asas de uma gaivota
ó 
quem me dera
em ti
pousar
e  de fragrância te embriagar
 
 
 Ilda Pinto Almeida
 

(5) O QUE É O AMOR?

 
O amor é como um copo d’água fresca
Que circula os sentidos saciando à  sua volta
É o toque do afeto que faz vibrar as emoções
E sentir que a magia existe
É não ser, eu e tu, mas nós
 
 Ilda Pinto Almeida


(4) CORAÇÃO APOQUENTADO


Fervilha no meu  peito este coração
e as artérias ardem-me
como fogo que queima
palpita-me o sangue vermelho carmesim
e choram-me de falsos risos as entranhas

Tenho desejos de gritar ; os medos
são  eles que falam e não eu
nesta pena lilás de pensamentos
neste ambiente solitário que me assiste

Sinto que o vento  me assobia
e digitalizo a denúncia do sopro
“é que a janela tem uma fresta “
e a corrente calma
desliza com o bafejo do vento
num quadro quase  colorido
segredando-me a chegada
d’ma possível primavera

 Ilda Pinto Almeida




(3) Carta de Amor 2

Sentada a meu lado o teu silêncio é quieto atento ao florido dos sons que vêm do palco. Olho-te e sinto brilho em teu escutar, vejo-te e tu és inteira, o nosso nós é robusto. A alma da terra a entranhar-se em nós. Casas, caminhos, campos, muralhas, de noite e de dia, a caminho do trabalho, a trabalhar, a espiar a mulher querida e no encontro, a voz canta e desenha princípio a eternizar-se. De mãos dadas nós escutamos aqueles homens que pendulam enquanto suas gargantas soltam a voz sentida de um povo que hoje é memória mas cuja vida renasce em cada palavra cantada, em cada som respirado, em cada tom sentido. Cantam a cappella e o suor, a força, o religioso e o profano, a esperteza e o saloio, o sonho, o querer e o vencer estão naquele tom que acaricia planície banhada em suor a transpirar criatividade e anseio. O tempo recusa voltar, é absolutamente impossível qualquer o retorno temporal. O que lá vai, lá vai, é história, permanece em memória. A ouvir o Cante escutam-se fotografias a preto e branco, ruas estreitas e casas brancas, lágrimas e sorrisos, esforço e canseira, algum cinema, muitos livros, homens e mulheres magras, umas debruçadas outras firmes, escuta-se a ceifa e a campina, a planície e o monte, vê-se a alegria e a tristeza camaradas e companheiras de uma vida que a morte denega esgotar.

Convido-te a ouvir o Alentejo a cantar e tu, por momentos, tornaste alentejana; vamos andando, nunca restando. Gosto de te ver assim petrificada sem admitir nem movimento nem ruído. A tua face permanece em sorriso e o teu olhar vê todos os cantos do mundo com brilho distinto, elege isto como o sítio onde a paixão se emociona e se encanta. És assim, quando gostas o teu refúgio é singular, possessivo, convidas e és o convite para que eu materialize o nós que tu és. Depois, na praça, um pé de dança. Ris-te perante a minha inabilidade eu aponto-te meia dúzia de tropeções. As diferenças a diferenciarem-se e a diversificarem-se; as rezingonas, estudadas e academizadas diferenças. O olhar é intraduzível, o calor das nossas mãos calam-nos e nós caminhamos pela arcada, lojas fechadas, um friozito a meter as pessoas em casa.

Dormes a meu lado enquanto te escrevo. Olho-te e quero ver-te. O teu amor é belo e do teu corpo irradia uma torrente quente, acariciadora. Assim, sem nada, apenas a ideia pousada em ti e a beleza da vida. Deixamos que ela corra e tu desvias a sua intromissão, desvias ou queres ignorá-la; és feliz assim no teu exemplo, no teu ato artesanal, no teu instante; és feliz em trazer tudo aquilo que aqui é para o pé de nós. Ergo o meu cálice em brinde. És o exemplo de alguém que está de bem com a vida.

Por estares de bem com a vida convidei-te a ouvir o Cante. Gostas do Alentejo e o Cante é a memória viva daqueles e daquelas que se entregam à vida para que esta lhes traga o bem. Depois de tanto, ninguém sabe o que é o bem mas, seja lá o que é, o bem é o que vem a seguir. Um dia de cada vez e todo o segundo em sua universalidade. É assim que te entendo e te aceito sem saber se é assim que te quero. A beleza da vida é isto, sentir que alguém nos ultrapassa e nos avança sem que o eu o mereça. Tu és isto: o meu imerecido. És a minha entrega, a minha luta, a minha missão. 

Manuel José


(2) Carta de Amor 1

Os gomos da laranja separam-se devagar. Dá-me gosto descolar o albedo em fiapos. A tangera sabe melhor que a laranja neste janeiro frio que a lareira contraria. Sim, ela convida-me. Sim, ela conta a sua história. Sim, ela embrulha a sua história em estória, em muitas histórias e fantasias. Sim, ela olha-me nos olhos e o seu olhar é som em meu escutar. Sim, ela atropela-me e provoca-me. Sim, ela manifesta paixão por mim. Sim, ela é abrasadora na caricia. Sim, passeamos avenidas e jardins, sentamo-nos a conversar naqueles bancos. Sim, ou eu encandeado ou ela apaixonada por mim. Sim, ela procura-me e torna em regozijo. Sim, ela insiste perante minha resistência. Sim, ela é forte e a minha fortaleza insegura. Sim, ela eleva o seu querer e eu baixo os olhos. Sim, ela dá-me a mão e eu vou. Sim, ela transpira juvenilidade e eu embalo a acariciar sonho riscoso. Sim, ela é terrível e eu abraço um abismo que refuto. Sim, ela atira-me todo o seu ser e eu mergulho.

Ela lampeja os olhos em lágrimas: sou doente terminal, estou a morrer, incurável! O tempo que me retiras é tudo o que quero e tudo o que tenho, ao espaço de que foges e abandonas a ele me entrego, nele me esgoto. És o único amigo que desconhece a minha doença. Nem sei como isto é possível e, conscientemente em enredo, plena no que faço, pressiono-te, persigo-te, encurto o tempo a tentar evitar perder o que é perdido. Evitas-me e eu insisto, sei da minha perversidade mas contrariá-la para quê. Os dias da minha vida estão contados e, todos os dias, peço para morrer. A morte tarda e o estado social dá-me o amparo que me arrasta pelo chão. Quantas vezes te olho e te atiro um olhar para que tu vejas quem eu sou, para que tu vejas o que sou eu, para que tu sintas que na tua frente está o encandeamento, para que tu despertes e me dês o abraço que me falta, o beijo pelo qual suspiro; tu nada, uma insignificância que põe os peixes a roer. Sou peixe e o oceano em que vivo e moro está limpo de plástico. Partículas minúsculas de plástico dão à costa, eu roo tudo o que há para roer. És fresco, és saúde, és vigor e a insignificância com que me aceitas, a amabilidade com que me toleras, a insciência com que me recebes, arrebata-me, lança-me para um terreno que desprezo, arreganha-me uma ânsia que só tu podes satisfazer. Estou aqui, estamos aqui e tu ouves-me porque recusas ouvir-me. Se calhar agora compreendes-me ao saber que a minha doença é incurável e eu tenho poucos dias de vida. Eu mando às favas a tua compreensão, dispenso que me recordes. Sabes, sou o teu escarro, esse mesmo que sai da tua boca sem tu contares e cola na lapela do presidente que está na tua frente. Sou o teu nada, sou a tua insignificância, sou a lágrima cravada na tua atómica cegueira.


Hoje é o funeral dela. Muita gente, muito pesar. Ela merece-o; nunca, jamais, em tempo algum ela é falsa. Mas há um momento, há um instante em que a fortaleza é fraca. Talvez eu seja violado.

Eu traio-te, traio-te com o meu corpo e com o meu espírito.

A toranja é mais fria que o vento que frieira as costas da minha mão. Eu recordo-te, lembro a suavidade do teu amor, o teu corpo quente e a temperatura dos teus beijos. A minha memória clama por ti, pelo teu sorriso altivo, pela tua entrega, pelo teu querer de vontades miscelâneas, misturadas. Tu és esse melhor que eu encontro, essa descoberta que um sorriso simples dispara com a mira no bem. Tu és esse encanto-dor que dispensa as palavras. Tu és essa ternura a esgotar paciência. Tu és a busca jamais imperdível. Porque me rejeitas? Atreves-te? Atrevo-me, é o que me resta deste resto rejeitado. E sacudo. Recuso este resto. Olhar, ver-te, sentir o que tu és, que tu andas por aí, que tu és vida e vida dás, que a tua alegria é fazer alegria. Há um dia, um instante que aconchega todo o presente. Há um regaço disposto. Sinto que és esse regaço. Vacilar? O meu preparo para esse instante é a tua confiança. Sei que tenho vontade, que o quero, que o desejo com a amplitude de um nós, de um nós que é de outros e nosso, daqueles que nos rodeiam, que nos conhecem, que nos amam e nos odeiam mas que fazem, e nós com eles, o artesanal que a vida é. É assim que falas e é assim que te escuto. Escorregar? Para que queres meu o deslize se tu és a certeza? Outra vez? O silêncio a abandonar-me. Entrego-te o meu silêncio e silencio-me, penitencio-me, propósito firme de emenda; nunca, nunca mais. Nunca digas nunca.

 Manuel José






(1) Marimbas de Sofala


Treme meu corpo,
Espicaçado,
Pelo som cavo, do ritmo das marimbas.

Talvez em mim,
Exista ainda um lamento,
Um Gemido,
De escravo fugido,
Da Nigéria até Moçambique,
Passando pelo Congo.

Não consigo deixar de tremer com aqueles
Três som, fortes, feiticeiros.
A mãe dela lançou um desafio.
A dança do ventre.
Tremi e avancei para a pista,
De areia húmida, das ondas.

Era um moleque,
Mas já cheio de tesão.
Dancei de olhos fechados,
Sem camisa,
Para deleite dela.

Meu pensamento corria,
Em pautas de desejo
Cujo alvo era sua filha.

Imaginava minhas carícias
a estremeçam seus seios pequenos
e sua boca como uma goiaba doce,
absorvendo meus lábios quentes de jindungo.
Seus braços cresciam como ramos
Sobre mim e
suas pernas eram erva trepadeira.
Mulata de cabelo liso de azeviche
Tinham o ondulado das ondas
Cantava em seus ouvidos feitos búzios.
Seus olhos traziam-me ao tempo de berlinde e tabuada
Sua face o orvalho, morno, da madrugada.

Mulata endiabrada.
Teu corpo era como o vento marítimo,
Despido da capulana colorida,
De panos de algodão de Cambaia
e outras peças vindas do mar Vermelho ou de Guzarate.

Talvez um dia tuas mãos me saibam dizer adeus.
Hoje és só a minha mulata
Ao som das Marimbas de Sofala.

Bastos Vianna

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Vaidosicezinhas XVIII

 

Mais uma vaidade da responsabilidade da Ilda Pinto Almeida, desta vez a propósito do seu novo livro "O Segredo do Carvalhal" - sobre o qual. muito brevemente, teremos aqui uma entrevista -, nos Estados Unidos, onde reside, deu uma entrevista (a retransmitir em breve pela SIC Internacional) que aqui partilhamos.

Mas a vaidade não é a entrevista, mas sim a informação que lá foi partilhada.

Quanto ao segredo, deixamos pistas abaixo, se alguém conhecer a suspeita e quiser partilhar histórias, usem os comentários, é que o insecto está em extinção...

E aqui fica o link para a entrevista.

E se gostou da amostra tem agora a entrevista em estúdio que pode ver aqui.



Ilustração do miolo do livro

Foto de: Nuno Miguel Almeida Campos




Veja mais informações aqui




"Memórias de Natal" - Vencedor de entre os votantes para o texto favorito

Já foi sorteada a chave do Totoloto deste sábado, 10 de Fevereiro, e o número da sorte foi o 4. Sendo assim, em teoria, os votantes com o número 4 e números terminados em 4, ficariam elegíveis para o nosso sorteio. Infelizmente o voto com o número 4 não pôde ser considerado e dado não termos mais nenhum 4, todos os números foram a sorteio.

O número sorteado foi o 6 e pertence a Melissa de Aveiro. Muitos parabéns!
Muito em breve vai receber os seus prémios:  um conjunto de duas canecas com a ilustração da capa e um conjunto de 10 postais iguais à capa do livro…







terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Vaidosicezinhas XVII

 Para nós é uma vaidade, mas para a Maria Saraiva de Menezes será, com toda a certeza, mais do que isso, será um missão.


Deixemos que seja a própria a falar-nos desta iniciativa: 

Inês e a Árvore Aurora - Leitura para cegos


Esta minha 1.ª leitura faz parte de um projecto de histórias para crianças cegas ou com visão reduzida, e por isso não atenta em ilustrações, senão para descrevê-las, ocasionalmente, incluindo a sinalização clara dos capítulos. Apresento-me com a minha descrição física, para me imaginarem, embora o meu forte não seja descrever-me nem sequer ler histórias. 

 

Todas as semanas haverá uma história, de minha autoria ou não, para a BENGALA MÁGICA - ASSOCIAÇÃO DE PAIS, AMIGOS E FAMILIARES DE CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS CEGOS E COM BAIXA VISÃO.

As 3 primeiras histórias infantis foram publicadas pela Editora Tecto de Nuvens na colecção ‘Petizes Felizes’. Obrigada à editora que apostou em mim, em plena pandemia covid, publicando com orçamento próprio estas edições económicas, que foram encomendadas e apoiadas pelos leitores:

(I - INÊS E A ÁRVORES AURORA (a floresta e os incêndios). 

II - MIGUEL E O AVIÃO DE PAPEL (mudança de escola, de país e de língua)

III - ANAMENTIROSA (a mentira). 

Serve a divulgação desta iniciativa para convidar escritoras e/ou narradoras para lerem mais histórias, no âmbito deste projecto de leituras para o canal de YouTube da Bengala Mágica, assim como presenciais, em eventos organizados por esta associação.

https://www.youtube.com/watch?v=bRbeiOPeFKc




"Memórias de Natal" - texto favorito do público

 



Está terminada mais uma muito empatada, e atipicamente pouco participada, votação, muito obrigada a quem fez o esforço de votar.

O texto vencedor é "Não saiba a tua mão esquerda".
À autora, Ana Ferreira da Silva, os nossos parabéns, em breve receberá o seu prémio.
As nossas felicitações também aos autores que se classificaram a seguir.

1º Não saiba a tua mão esquerda  VENCEDOR


2º O Natal memorável de Leonor (Cynthia Leite da Silva)

Encanto de Natal (Alexandra Carneiro) e O Melhor Natal de Sempre (Agostinho Vieira)


Leia, ou releia, um excerto do texto vencedor: 

Não saiba a tua Mão Esquerda 

“… Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mateus, 6: 3)

  

Éramos crianças de aldeia; não de uma daquelas aldeias minúsculas semeadas pelo interior, de casinhas caiadas ou de grossas paredes de granito e telhados de xisto, rodeadas de campos lavrados, searas ou vinhas, onde a vida converge para a igreja e o cemitério, mas sim de uma pequena povoação plantada a um quilómetro do mar, que tendo sido alvo de interesses estrangeiros, se desenvolveu, lutadora e assimétrica, firme na sua aspiração a ser elevada a vila. 
Nessa povoação tão assimétrica, cuja entrada é ainda hoje assinalada por duas imponentes colunas de pedra encimadas de esferas, coexistiam vivendas resguardadas das vistas por belos jardins cercados de muros e grades – como a da família de um antigo presidente da República e a do esculápio da aldeia, posteriormente homenageado pela toponímia local – e “vilas” de operários, de mistura com prédios baixos de apartamentos, onde vivia a maioria da classe média local, incluindo a minha família. Na periferia havia um colégio de rapazes; no coração da aldeia, ao lado do quartel dos bombeiros, espraiava-se a escola primária, e em frente do caminho-de-ferro uma moradia de três andares albergava um orfanato, cujas pensionistas frequentavam comigo a escola, esse pequeno mundo utópico onde cada um valia pelo que era, e não pela sua origem.
Numa pequena povoação onde as pessoas se conheciam e se cumprimentavam todos os dias, e os miúdos brincavam sem cuidados no meio da rua ou no largo do mercado ou da igreja, a escola primária da aldeia não era mais do que o prolongamento natural do nosso convívio infantil; e os nossos coleguinhas reflectiam as assimetrias da sociedade, sem que tal interferisse com a formação e fortalecimento de amizades. 
Eu teria sete anos, e tal como o meu irmão, uma sólida reputação de boa aluna. Conhecia todos, todos me conheciam, dávamo-nos bem, nas aulas como no recreio. Então, no Natal desse ano, aprendi uma lição.   
Sem iluminações a piscar nas ruas nem canções festivas pairando no ar, o Natal na aldeia era, não obstante, uma quadra por que todos, grandes e pequenos, ansiávamos. Em nossa casa entrava, logo no primeiro sábado ou domingo de Dezembro, um dos mais bonitos pinheiros do mercado, que enfiávamos num grande vaso cheio de areia da praia, e cuja decoração nos ocupava uma tarde inteira. Recordo o Pai sentado no chão a consertar as grinaldas de luzes espanholas, enquanto eu e o meu irmão escolhíamos velhos brinquedos de casquinha religiosamente guardados numa caixa de cartão e a Mãe preparava o jantar, e o gira-discos “mono” enchia a casa de cançõezinhas amorosas com sininhos a pontuar coros infantis muito certinhos.
Ao longo da semana seguinte, empoleirada numa cadeira, eu haveria de aproveitar todos os bocadinhos livres para construir um formidável presépio num dos aparadores da sala, instalando o estábulo no canto mais próximo da árvore e o meu castelinho medieval de cartão prensado no extremo oposto – já que, para o efeito, se tratava do castelo dos Reis Magos, e estes tradicionalmente vinham de muito longe, e teriam de atravessar um rio cintilante de papel de alumínio montados nos seus pachorrentos camelos; o resto do presépio – suaves colinas de areia salpicadas de musgo artificial, casinhas, estábulos, oficinas, lagos, palmeiras, fontes, poço, artesãos, pastores, ovelhas, galinhas, porcos, patos, burros – era distribuído a esmo de acordo com a minha inspiração de cada ano; e eu haveria de entreter-me horas a fio com as personagens da minha modesta obra-prima até aos últimos dias de Janeiro, quando o Natal seria oficialmente “desmontado”, o pinheiro despido dos seus brilhos e luzes, e os brinquedos arrumados nos caixotes respectivos, a descansar até ao Dezembro seguinte. (...)