Não sei quem fica mais nervosa na hora do telefonema a comunicar a vitória do Prémio, se eu, se as vencedoras, provavelmente eu... Elas, após o choque inicial, mostram o talento que se encontrou na escrita, o mesmo entusiasmo, o mesmo poder de atracção para o enredo vencedor. A Helena Ferreira não foi excepção e logo contou que tinha escrito a história para a neta (naturalmente, não fazia parte do texto avaliado pelo júri, mas no final do livro - nas notas finais - encontram o "diálogo" entre avó e neta sobre este livro, acabado de ler pela avó) e de alguma forma, dei por mim, de novo a viajar por aquele bosque mágico. Esta primeira pergunta não é 100% original, mas ainda
só a perguntámos uma vez… Foi a vencedora do Prémio de Conto Infanto/Juvenil
Tecto de Nuvens (2025)- a segunda pessoa a ganhar este Prémio - qual foi a
sensação de ter sido o seu conto o escolhido?
Foi uma sensação absolutamente indescritível! Quando recebi a notícia,
senti uma mistura de alegria, surpresa e uma profunda gratidão. Este prémio tem
um significado especial porque representa o reconhecimento de uma história que
nasceu do meu amor pelas palavras e pela leitura. Saber que o júri viu valor na
mensagem que quis transmitir - sobre a importância de preservar as palavras e o
poder da leitura - foi emocionante. É como se a própria Beatriz, a minha
personagem, tivesse conseguido cumprir a sua missão também no mundo real.
Conte-nos como e porquê começou a escrever, por paixão
ou por necessidade?
Comecei a escrever
por paixão absoluta. Desde pequena que as palavras exercem sobre mim um
fascínio quase mágico. Sempre acreditei no poder das palavras para transformar
o mundo. Escrevi o meu primeiro livro infantil, "Lénita e o Principezinho
Coração de Prata", em 2008 para a Francisca, e isso abriu uma porta que
nunca mais fechei. A escrita não é uma necessidade no sentido prático, mas sim
uma necessidade da “alma” - é a minha forma de conspirar histórias e de
acreditar que posso fazer a diferença, especialmente na vida das crianças.
Qual o papel que a escrita ocupa na sua vida?
A escrita é o meu refúgio e a minha
revolução. Vivo entre pilhas de livros e passo o tempo a conspirar histórias. A
escrita para crianças, em particular, é a minha forma de manter viva a magia
num mundo cada vez mais caótico. É onde consigo fundir o meu lado académico com
o meu lado sonhador, onde posso ser simultaneamente rigorosa e fantasiosa.
Também gosto de escrever contos e, por vezes, aventuro-me na poesia e na
dramaturgia. Ainda não desisti de terminar um romance que iniciei há muitos
anos. Vamos ver…
Sempre sonhou publicar um livro?
Não diria que
"sempre", mas desde que descobri o prazer de contar histórias para
crianças, sim. O sonho ganhou forma quando percebi que as histórias que
escrevia podiam ter vida para além do momento da leitura, que podiam chegar a
outras crianças, outras famílias. Cada livro publicado - "Lénita e o
Principezinho Coração de Prata" (2008), "Ti Manel Xeringa"
(2011), e agora "O Bosque das Palavras Perdidas" (2025) - é a
concretização desse sonho renovado.
Qual é a sensação que tem ao ver, agora, o seu livro
nas mãos?
É uma sensação
surreal e maravilhosa. Ver "O Bosque das Palavras Perdidas: Porque todas
as palavras são importantes!" materializado, com as belas ilustrações da
Mariana Manaia na capa, é como ver um sonho ganhar corpo. Mas o mais
emocionante é imaginar as mãos de crianças a folhearem estas páginas, os seus
olhos a descobrirem a história da Beatriz e a Árvore das Palavras. É saber que
estas palavras que escrevi vão voar para outros corações e, quem sabe, inspirar
novas gerações de leitores e escritores.
Tem algum projecto a ser desenvolvido, actualmente?
Pensa publicar mais algum livro? Continua a sentir vontade de escrever?
Absolutamente! A
vontade de escrever nunca desaparece. Tenho sempre histórias a fervilhar na
cabeça, personagens que me visitam em momentos inesperados. Entre o stress do
quotidiano, as histórias continuam a aparecer. Quanto a projetos concretos,
prefiro deixá-los amadurecer um pouco antes de os revelar, mas posso garantir
que há mais aventuras a caminho. As crianças merecem histórias que as façam
sonhar e acreditar que podem mudar o mundo.
Fale-nos um pouco sobre o seu livro.
"O Bosque das Palavras Perdidas - Porque todas as palavras são
importantes!" conta a história de Beatriz, uma menina de nove anos que
descobre que as palavras estão a desaparecer. Não apenas dos seus cadernos, mas
da própria realidade - as pessoas deixam de as ouvir e de as ver. Na sua busca
pelas palavras perdidas, Beatriz encontra a Árvore das Palavras, uma árvore
mágica que guarda todas as palavras que alguma vez existiram, e Luna, a Guardiã
das Palavras.
É uma metáfora
sobre o que estamos a perder na era digital - a riqueza da linguagem, o prazer
da leitura, o poder das histórias. Mas é também uma história de esperança, que
mostra como uma criança corajosa pode fazer a diferença. Através da leitura, da
partilha de histórias e da valorização das palavras, a Beatriz consegue salvar
a Árvore e inspirar outros a redescobrirem a magia da linguagem.
Existe alguma parte do livro, em particular, que goste
mais. Porquê?
Tenho um carinho especial por dois momentos. O primeiro é quando a Beatriz
descobre a Árvore das Palavras pela primeira vez - essa sensação de
maravilhamento, de descobrir algo mágico e precioso. Tentei capturar aquele
momento em que uma criança percebe que há mais no mundo do que aquilo que vê à
superfície.
O segundo momento
é o serão de histórias em família, quando Beatriz conta aos pais a história que
acabou de viver (sem revelar que era real). É um momento de intimidade, de
redescoberta, de ligação. Os pais, absortos no quotidiano stressante,
redescobrem o prazer de simplesmente escutar. É isso que quero que este livro
inspire - momentos de partilha, de presença, de magia simples.
Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas
a ler o seu livro? O que acha mais apelativo no seu livro?
Aconselho a leitura deste livro porque ele fala
de algo urgente e essencial: a preservação da linguagem e do amor pela leitura
numa era de hiper-conectividade e comunicação simplificada. É um livro que:
·
Para as crianças: É uma aventura mágica que as faz sentir-se poderosas, mostrando que
podem fazer a diferença
·
Para os pais e
educadores: É um lembrete suave, mas
poderoso sobre a importância de cultivar o amor pelas palavras
·
Para todos: É uma celebração da linguagem, das histórias e do poder transformador
da leitura
O mais apelativo, creio, é que não é um livro
que prega ou moraliza. É uma história genuína, com magia, aventura e emoção,
que naturalmente inspira os leitores a valorizarem as palavras.
Não resisto a perguntar isto: a personagem principal
concorreu com este livro a um Prémio literário e ganhou-o. O que foi isso?
Manifestação de um desejo? Futurologia? “Hipnose” para o júri?
Essa é uma pergunta deliciosa! E, fez-me rir. Quando
escrevi a história, a Beatriz já tinha essa jornada completa na minha mente -
incluindo o facto de ela se tornar escritora e ganhar um prémio. Foi, talvez,
uma manifestação de um desejo profundo: que as histórias sobre a importância
das palavras sejam reconhecidas e celebradas.
Mas confesso que quando o meu próprio livro ganhou o Prémio Tecto de
Nuvens 2025, senti um arrepio. A vida imitou a arte, ou a arte antecipou a
vida? Prefiro pensar que foi a magia das palavras a funcionar - essa mesma
magia sobre a qual escrevo. As palavras têm poder, e quando as usamos com
intenção e amor, coisas extraordinárias podem acontecer.
A acompanhar este livro há um eBook. Fala-nos sobre
ele e como pode ser não só vantajoso, como adaptável, para pais e educadores.
O guia que acompanha o livro é, na verdade, um
prolongamento da experiência da leitura. Chama-se "Guia para Pais e
Educadores - O Bosque das Palavras Perdidas" e está disponível
gratuitamente em formato digital, para quem adquire o livro.
Este guia oferece:
·
Atividades práticas inspiradas na história (como criar a
própria Árvore das Palavras em casa ou na sala de aula)
·
Jogos de palavras para dinamizar o amor pela linguagem
·
Sugestões para serões de histórias em família
·
Ideias para clubes de leitura
·
Rituais de leitura e escrita criativa
O que o torna
especial é a sua adaptabilidade. Não é prescritivo - oferece ferramentas que
pais e educadores podem adaptar às suas realidades, idades das crianças e
contextos. Pode ser usado em casa, na biblioteca, na escola, em ATLs. A ideia é
democratizar o acesso a formas criativas de manter as palavras vivas, tal como
a Beatriz faz na história.
Qual é o seu estilo de escrita ou que tipo de mensagem
gosta de passar no que escreve?
Não
sei se tenho um estilo. Para ter um estilo era necessário que me considerasse
uma escritora. E sinto-me apenas como uma aprendiz. Digamos que na escrita para
crianças, procuro equilibrar a magia com a realidade emocional. Gosto de criar
mundos fantásticos - como o Bosque das Palavras Perdidas: Porque todas as
palavras são importantes!" - mas
ancorados em emoções e situações que as crianças reconhecem. E procuro escrever
com uma linguagem rica, mas acessível, porque acredito que as crianças merecem
ser desafiadas linguisticamente sem serem intimidadas.
Quanto às
mensagens, procuro transmitir valores de coragem, solidariedade,
responsabilidade e esperança. Acredito que as crianças são os únicos seres
humanos verdadeiramente revolucionários, e as minhas histórias tentam alimentar
essa capacidade transformadora. Quero que as crianças que leiam os meus livros
sintam que podem mudar o mundo "no recreio da escola, antes do
lanche", como costumo dizer.
Qual o papel das redes sociais na vida e na divulgação
da obra de um autor? E na sua?
Há também uma ironia deliciosa aqui: escrevo sobre a importância de desligarmos dos ecrãs e valorizarmos as palavras, e depois uso as redes sociais para divulgar essa mensagem! Por isso, tento usar as redes de forma consciente - partilhando conteúdo que inspire à leitura, à criatividade offline, às conversas reais. Sempre como uma ferramenta e não como um fim em si mesma.
Gosta de ler? Que tipo de leitor é que é?
Como leitora, sou intensamente emocional. Não consigo ler apenas com a cabeça - leio com o coração todo. Choro com as histórias, rio alto, fico furiosa com personagens, apaixono-me por palavras e excertos inteiros. Decoro passagens e poemas simplesmente porque gosto do som das palavras. Sublinho, rabisco nas margens e dialogo com os autores.
E claro, tenho uma relação especial com a literatura infantil. Leio-a não apenas para me inspirar como escritora, mas porque acredito genuinamente que alguns dos livros mais profundos e revolucionários são escritos para crianças. Eles ainda não esqueceram a magia. Faço-lhe até uma inconfidência: coleciono livros pop-up do mundo inteiro e já tenho, inclusive, uma enorme coleção.


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