Há crianças que sonham em ser famosas, em ir à lua, conhecer esta ou aquela personagem (real ou imaginária)... E há aquelas crianças que criam mundos e lhes dão vida através dos desenhos. Com sorte mantém-se sonhadoras e talentosas e, de vez em quando, batem-nos à porta...
E assim temos a história desta jovem ilustradora, nascida em Coimbra e criada em Leiria. Este ano de 2025 esteve connosco e ajudou-nos com a criação de vários mundos: o de um robô muito capaz; o de um bosque mágico e o sempre fantástico mundo da mitologia sebastianista.
Ainda teve um bocadinho de tempo para criar um belo postal de Férias, co-vencedor do nosso Desafio de Julho.
E é pelos seus lápis e pincéis que vai ser colorida esta entrevista em que fala dos três livros em que trabalhou este ano. Mariana Manaia por voz própria e na primeira pessoa:
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Conte-nos quando é que começou a desenhar e
quando é que começou a usar o desenho para ilustrar algo?
Eu desenho
desde que me lembro! Se formos a ver, todos nós desenhamos, e somos artistas em
criança. Eu nunca deixei de desenhar, sempre foi parte de mim. Usar o desenho
para ilustrar histórias é algo mais recente, o meu primeiro livro ilustrado foi
“Um sonho GIGANTESCAMENTE transformador” da autora Suzana de Freitas, que foi
publicado este ano, em Janeiro. Foi muito gratificante e estou neste momento a
trabalhar para fazer da ilustração o meu trabalho a tempo inteiro. Felizmente, desde aí já
consegui fazer alguns trabalhos com a Tecto de Nuvens a quem agradeço a
confiança e o apoio. Muito obrigada.
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Qual o papel do desenho (e da arte em geral)
na sua vida?
Quando sou
criativa é quando me sinto mais alinhada comigo mesma e mais feliz. Desenhar é
uma forma de expressão e é também uma forma de “escape”. Eu tenho uma mente
muito ativa, penso muito, imagino muito e tenho muitas ideias o que é muito bom
mas também se torna difícil às vezes. Quando desenho, é algo automático e
intuitivo e a mente desliga. Tudo o que interessa naquele momento é o que estou
a criar. E quando acabo uma ilustração sinto uma sensação de conquista e de
orgulho, o que também é agradável!
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Como é que faz a ilustração de um livro? É um
processo “técnico” (no sentido de regras, equilíbrios…) ou mais
intuitivo/emocional (do género “consigo visualizar esta cena”)?
O meu processo
começa sempre pela leitura do livro. Eu imagino, na minha cabeça, as cenas a
desenrolar como um filme. E depois tento traduzir para o papel as cenas chave
do “filme” que melhor representem o texto. Só depois dessa parte mais intuitiva
e emocional é que penso como posso melhorar o desenho pensando nas regras dos
terços, na teoria da cor e nessas coisas mais técnicas.
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Falando especificamente dos livros “Leonor e
o robô Topap” (ilustração e capa); “O Bosque das Palavras Perdidas” (ilustração
da capa) e “Eu, El Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” (ilustração e capa), qual
é a sensação que tem ao ver, agora, os livros, já prontos, nas mãos?
É muito
gratificante! Ver o meu trabalho como algo físico e tangível e saber que vai
dar a cara a estes trabalhos tão bonitos das minhas colegas autoras é uma
honra.
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Fale-nos um pouco sobre o ilustrar de cada um
destes livros. Foi fácil, intuitivo?
Há livros
mais fáceis que outros de ilustrar, por diversas razões. Às vezes a inspiração
atinge-nos imediatamente, outras vezes é preciso explorar diversas ideias. E
depois também é preciso que a nossa ideia vá de encontro às ideias e
expectativas do autor, o que pode acontecer à primeira (com alguma sorte) ou
pode precisar de mais algumas tentativas!
Para o livro
da “Leonor e o robô Topap” foram precisas várias tentativas para o design final
das personagens. Especialmente para o robô Topap. A maneira como interpretei o robô
estava longe daquilo que a autora e a editora tinham imaginado. Foi preciso
refazer várias vezes o esboço e, ao mesmo tempo, partes do texto que descreviam
o robô foram retrabalhadas para chegarmos ao produto final. Mesmo com todos
estes percalços eu gostei imenso deste trabalho. Acho que nunca tinha desenhado
um robô, por isso foi um desafio engraçado! Para além que gostei imenso da
história.
Para o livro
“O Bosque das Palavras Perdidas” foi algo muito intuitivo. A autora Helena
Ferreira tem um dom para a descrição, o que tornou o meu trabalho muito fácil.
O desenho foi feito de início ao fim sem ser preciso uma única alteração. Um
daqueles casos em que a ilustradora tem muita sorte!
Por fim,
“Eu, El-rei Dom Sebastião, a vós retorno!” foi o meu primeiro livro com a Tecto
de Nuvens fora da categoria infantil. A autora tinha muitas ideias desde início,
o que poderia correr bem ou mal! Será que conseguiria ir de encontro às
expectativas? Correu tudo bem felizmente, as ideias da autora eram muito
interessantes e algumas iam de acordo com o que eu já tinha imaginado. A autora
falou num nevoeiro e um cavaleiro, e eu imaginei logo uma capa que fluísse para
a contracapa, uma ilustração única. Mais tarde surgiu a ideia da coroa que eu
também incorporei. A editora Teresa também foi essencial para este trabalho,
foi a ponte entre mim e a autora e deu ideias muito valiosas que levaram a uma
das capas mais bonitas que já fiz (na minha opinião claro)!
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Existe alguma parte de cada um destes livros,
em particular, que a toque mais. Porquê? Influenciou o estilo/escolha do traço?
Para o livro
da “Leonor e o robô Topap” a cena final foi a mais marcante para mim e é a cena
que deu origem à capa. Os dois parceiros triunfantes, tendo cumprindo a sua
missão, foram o foco desta ilustração. O design destas personagens, como falei
anteriormente, foi algo que precisou de várias tentativas, por isso também eu
me sinto triunfante de os ver assim na capa!
“O bosque
das palavras perdidas” tocou-me especialmente pela imersão que tive ao ler este
livro. Deu-me imenso gosto ler, e relembrou-me das minhas sessões de leitura em
criança. É um livro muito bonito e com uma mensagem muito importante. Para este
livro quis me focar em trazer alguma magia para a capa para refletir isso, e
por isso a luz foi o foco desta ilustração.
O livro “Eu,
El-Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” foi o meu primeiro livro com a Tecto de
Nuvens fora da categoria infantil. Por isso quis fazer algo bastante diferente
e apostar tudo no cenário, em vez de na personagem. O resultado foi uma
ilustração com algum mistério, e com alguns elementos que representam bem este
livro!
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Indique as razões pelas quais aconselharia as
pessoas a ler estes livros? O que acha mais apelativo nos livros?
“Leonor e o robô
Topap” é um livro engraçado e tenro sobre um robô abandonado e a menina que o
encontra e que o ajuda a encontrar o seu propósito. A inteligência artificial,
um tema tão atual, é um dos temas centrais do livro. Como podemos utilizar esta
tecnologia para o bem da humanidade? Para mim, como ilustradora, é algo tão
importante, porque como sabemos a inteligência artificial está a roubar
trabalhos artísticos, seja na ilustração, na escrita ou até na música.
Trabalhos estes profundamente humanos, que muitos de nós queremos fazer! Mas
podemos utilizá-la para fazer os trabalhos que não queremos ou que sejam
perigosos para os humanos como iremos explorar neste livro!
“O bosque das
palavras perdidas” é um livro lindo sobre a importância das palavras. Eu diria
mesmo que é digno de um filme da Disney. A autora transporta-nos para dentro da
história com o seu dom da descrição e o livro tem uma mensagem bonita e cada
vez mais importante nos dias de hoje. Aconselho vivamente!
E por fim “Eu,
El-Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” é um livro já para um público mais
crescido. Procura responder ao maior mistério da História de Portugal com uma
hipótese muito interessante e emocionante. Aconselho a qualquer apreciador de
história e de ficção.
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Considera a arte,
neste caso não apenas na perspectiva de um apreciador, mas de alguém que
“produz” algo, seja um bordado, uma colagem, pintura, desenho, tocar um
instrumento, etc, como sendo sempre uma actividade (até na perspectiva de
“escape”) recomendável e positiva? Ou é apenas se a pessoa for boa na sua
realização? Ou pode ser benéfico mesmo que o resultado final não seja digno de
ir para o Museu? Acha que há mérito no processo por si só?
A arte é
algo que todos deveríamos fazer, faz parte de ser humano. Pensem nas pinturas
das cavernas. A arte sempre fez parte de nós! Hoje estamos muito desligados do
nosso lado criativo, por “falta de tempo” ou porque achamos que “só conta se
formos bons à primeira”. Mas permitir-se largar a perfeição e ser mau a alguma
coisa, pintar fora das linhas, fazer uma cerâmica torta, permitir-nos errar e
tentar de novo é algo profundamente humano. Só avançamos, só melhoramos, se
tentarmos e não ficarmos agarrados a uma ideia de perfeição que não existe.
O processo
criativo, seja por que meio for, é algo muito benéfico para qualquer pessoa.
Alguém disse: “A expressão é o oposto da depressão”. Não tenham medo de se
exprimir através de qualquer forma de arte. É verdadeiramente libertador.




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