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terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Nina Pianini, autora de "Natal em tempo de guerra", em entrevista

 

 Nina Pianini (pseudónimo), 63 anos, tem um novo livro!

Não, não é uma repetição, está mesmo de volta e a tempo do Natal!
Já este ano estivemos à conversa com a autora que, sempre muito generosamente, partilha belas palavras e não só. - Veja no final como aceder às outras entrevistas. - 
E à laia de prenda de Natal, fica aqui a apresentação do seu romance de Natal: "Natal em tempo de guerra". 
E se no final estiver com muita pena de não ter comprado este livro, não se preocupe, o nosso folheto de Natal é válido até meio de Janeiro, ainda vai a tempo de o comprar, mas, mais importante, vai sempre a tempo de o ler.
Mas, sem mais demoras, deixemos que a autora trate das apresentações.
Nina Pianini, de voz própria e na primeira pessoa:
 

  Este seu novo livro, é uma estreia no romance, como é que deu por si a ir para lá do seu género mais habitual, o conto?

Penso que é difícil domar a veia criativa. Ela, por vezes, leva-nos para onde a imaginação quer seguir. Foi o meu caso. Perante o desafio lançado pela Tecto de Nuvens de escrever  um “romance de amor” aceitei logo porque gosto de desafios e de pôr à prova a minha capacidade de escrita.  A questão de ser romance, satisfaz-nos a quem gosta de escrever como eu, porque o conto breve, intenso como uma centelha ilumina um instante e logo se apaga. O romance deu-me espaço para se ir desenvolvendo pelas páginas e a possibilidade de acompanhar os personagens na sua dor, na sua esperança e na sua transformação.

À medida que escrevia, o sopro longo do romance de amor, pedia espaço, pedia tempo para que o amor nascesse, sofresse e se reinventasse para além da brevidade. Foi como se as próprias cartas me empurrassem para lá da fugacidade, obrigando-me a escutar os silêncios entre as linhas e a dar corpo ao que não podia ser dito em poucas páginas.

Depois de começar a escrever este género nunca mais parei. Fiquei tão delirante que até escrevi logo 5 romances de amor. Escrevi cheia de entusiasmo no espaço curto de poucas semanas. No caso do romance deste livro, o Natal é uma época de encontro e de memória, e quis cruzar essa atmosfera com uma narrativa histórica que nos toca a todos. A seu tempo, percebi que tive de me conter, pois por mim alongava-me mais e mais no desenrolar da ação e a explorar o silêncio entre as linhas. Penso que um autor quando olha para o seu texto vê-o a ganhar vida e é difícil ter de lhe dar um fim, quando a vontade era esmiuçar o que ia na alma dos personagens. Mas a questão do número de páginas obriga-nos a conter a nossa imaginação. Dito isto, o que quero dizer é que a minha estreia em Romances de Amor alargou meu campo de visão do que há ainda para escrever, assim como este próprio livro facilmente se podia transformar numa serie completa com tanto que havia mais para contar.

  Esta é toda uma estreia! Natal e romance histórico! Foi acaso, deliberado?

Como referi, este livro surge no âmbito de uma proposta da Tecto de Nuvens. Ainda bem que há editoras que nos provocam e nos incitam a escrever outros géneros para além dos que nós estamos inclinados. Por tal, o que mais me inquietou foi o arranque inicial por ser um “Romance de amor”, pois por vezes, os romances de amor caiem na banalidade de estereótipos que um escritor consciente quer evitar e não cair na redundância do que já todos os outros autores já escreveram. Um verdadeiro escritor quanto a mim, tem de explorar outras formas de apresentar a mesma questão, sob outros ângulos... Como priorizo sempre escrever algo que seja profundo e, principalmente que não seja “aborrecido” para o leitor, pois valorizo escrever um bom livro com um teor construtivo para o leitor e levá-lo a questionar. Assim, tinha de ser algo marcante e, muito naturalmente, senti o ímpeto de escrever relacionando o tema com uma fase tão difícil que Portugal viveu. A escolha não foi casual: é precisamente na tensão entre a dureza da guerra e a ternura das cartas que nasce a força do livro.

  E aborda uma questão que muito diz aos portugueses, a guerra colonial. Talvez não seja a primeira associação que se faça, mas, com um pouco de reflexão, e até antes das famosas mensagens, faz sentido que fosse uma época em que soldados e famílias mais sentissem a distância. Conte-nos como e porquê resolveu escrever este livro, e fazer esta abordagem?

A guerra colonial é uma ferida que ainda pulsa na pele da nossa memória coletiva e marcou profundamente várias gerações. Cresci a ouvir ecos dessa dor, e percebi que só através da literatura poderia dar corpo ao silêncio dos relatos não contados e memórias não registadas que ainda hoje ecoam na mente de quem viveu essa época. Enquanto escrevia este livro, percebi que só através da literatura poderia devolver humanidade a esse vazio. O livro é uma tentativa de dar voz à distância, ao vazio que se preenchia com cartas, ao amor que se sustentava na palavra escrita, mostrar que até na separação mais cruel pode nascer um gesto de amor. É uma forma de homenagear tanto dos que partiram como os que ficaram. Em simultâneo, tentei dignificar as cartas de Madrinha de Guerra que, até hoje nunca foram valorizadas pelo seu enorme potencial para o registo da nossa História Viva e essencial fazer parte do espólio de um Museu Histórico.

  Já romance e cartas, tem tudo a ver… Era impossível, suponho, escrever um romance sobre a Guerra Colonial sem as madrinhas de guerra. Ainda assim, não tem ideia de ser uma temática pouco explorada?

As madrinhas de guerra foram pontes invisíveis, mulheres que seguraram homens à beira do abismo com a força das palavras. Realmente, por ser um tema pouco explorado, até diria nunca referido, como uma mancha de que não se quer falar. Por isso, como autora considerei ser tão urgente colocar na literatura. Ao escrever este romance, senti que lhes devolvia o lugar que merecem na nossa História: o lugar da esperança, da resistência silenciosa, da ternura que atravessa fronteiras.

As madrinhas de guerra foram um elo vital entre o soldado e a vida civil, entre a dor e a esperança. Ao trazer essa dimensão, quis iluminar um papel feminino muitas vezes esquecido, mas que foi decisivo.

† Houve alguma história, em particular, que a tenha inspirado?

O conhecimento de existência dessas cartas chegaram até mim, ainda em jovem, quando um jovem meu vizinho partiu para a guerra e a quem recusei ser sua Madrinha de Guerra por não perceber o que isso significava. Só anos mais tarde, vi o erro que cometera quando me apercebi do terror da guerra colonial pela sua morte e ao saber pela sua mãe do seu desgosto de não ter nenhuma madrinha de guerra e do quanto teria sido benéfico para ele receber palavras amigas vindas de alguém conhecido da sua terra. Aprendi a dar valor às Madrinhas de Guerra ao ouvir relatos de familiares e testemunhos de soldados. Cartas que nunca ninguém valorizou nos manuais e livros de História Universal e muito menos está contemplado nos Museus de História Viva como se fosse algo inútil ou vão. Por isso, espero sinceramente que o meu romance possa relembrar o que está esquecido para que a história da guerra colonial fique completa.

  Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler/comprar o seu livro? O que acha mais apelativo nele?

Este romance é uma história de amor e de sobrevivência, mas também de memória coletiva. O livro fala de dor, mas sobretudo de esperança, e mostra como até nos momentos mais sombrios podemos encontrar luz.

Este livro traz algo que o distingue: valoriza o poder da palavra escrita, fala da capacidade de resistência humana na guerra e o contributo que as cartas das Madrinhas de Guerra tiveram. A voz das madrinhas de guerra merece ser escutada, e o Natal continuará a ser um espaço fértil para cruzar memória, afeto e literatura. Mas mais do que uma história concreta, foi esse gesto universal de escrever para alguém distante. Cartas que atravessaram oceanos, que carregaram lágrimas e promessas. Inspirou-me essa fé na palavra, essa crença de que uma frase pode salvar um coração perdido no meio da guerra. O facto de acreditar que uma palavra pode salvar um coração no meio do caos. É esse gesto que quis eternizar. Este é um livro que fala de amor onde menos se espera: no campo de batalha, na solidão das trincheiras, na saudade das famílias. O mais apelativo é essa fusão entre História e emoção, entre a dor coletiva e a esperança íntima. É um romance que nos lembra que, mesmo em tempos de guerra, a palavra pode ser abrigo.

Tendencialmente, se verifica certas modas de que nem sempre o leitor-consumidor se apercebe. Por exemplo, se sai um livro sobre bibliotecas que se torna famoso, logo outros autores correm atrás a escrever sobre o mesmo tema ou a meter a palavra no enredo mesmo que seja numa única página, talvez como forma garantida de que se gostaram daquele livro sobre bibliotecas, então também vão gostar do seu. Aconteceu isso aqui nos últimos anos em que  fez furor nos EUA, em Inglaterra, na China e até no Japão. E todos os autores, ditos famosos, escreviam algo em que metessem a palavra “biblioteca” na capa ou em alguma página do livro!

Este ano, a moda são os “gatos”! A palavra “gato” aparece em vários títulos, ilustrações, contos… Por isso, é caso para se questionar: “Será que o escritor para se tornar conhecido tem de seguir modas? …” Penso que não, o escritor deve ser atento, observador e critico,  é isso que transporto para a escrita. Escrevo para encantar o leitor, para levantar questões e levar a pensar e, nesse processo ajudar ao crescimento pessoal.  É uma missão muito mais digna e abrangente. Daí ter escrito este livro “Amor em tempo de Guerra” sobre algo de que ninguém escreve: o poder das palavras e as cartas das Madrinhas de Guerra!

  Não resisto a perguntar (já sabe o que a casa gasta…): há potencial para mais livros dentro deste género? Seja romances de Natal, seja, porventura, algo deste género, mas pela perspectiva da madrinha de guerra?

Sem dúvida. Para mim, a escrita assume uma importância vital como a água para beber e leva-me à incessante necessidade de escrever mais e melhor. Cada vez mais, sou exigente no uso da palavra.  Penso que, num verdadeiro escritor há esse cuidado e aperfeiçoamento para oferecer ao leitor uma obra digna, tal como um pintor que apresenta sua obra-prima. Ora, este livro, sendo um romance de amor, possibilitou-me poder aprofundar a qualidade literária fundamental para a minha creditação literária, abrindo-me caminhos a explorar. Assim, completa-me o aspeto como o romance, seja de amor como de outros géneros, em que me permite desenvolver o texto com maior profundidade quer emoções como pensamentos, promovendo a reflexão. Abre asas de autor para escritor. Valorizo imenso oferecer ao leitor “escritas significativas”. O aperfeiçoamento literário e a importância do subjacente ao texto demarcam quando uma “autora” passa a “escritora”. E tenho a agradecer a todos os meus leitores e editores, que esse mérito está já a ser reconhecido pela avaliação da minha obra literária que é apresentada nas pesquisas online.

Quanto a próximas escritas, devo revelar que, há ainda muito silêncio à espera de ser transformado em palavra. Cada romance é uma semente e já tenho muitos a germinar, tudo depende das editoras que investem em nós, pois a imaginação nunca para. A Tecto de Nuvens apoia e dá incentivo e isso é o que os autores precisam. Neste caso, a Tecto de Nuvens teve igualmente um papel de destaque ao valorizar a perspectiva da madrinha de guerra que é riquíssima e merece ser aprofundada, dando a sua aprovação para a publicação sem a qual não seria possível este livro chegar ao leitor.

Entretanto já escrevi mais duas obras, desta vez de poesia infantil. E não se julgue que, por ser infantil que é menos literário, antes pelo contrário. A precisão de palavras, o ritmo, o enredo, os adjuvantes, o clímax, o desenlace… são alguns componentes que exigem muita habilidade e concisão literária que nem sempre é reconhecida. Nada mais errado do que pensar que é fácil escrever para crianças.  Reforço que me preocupo imenso com o que se oferece às crianças para ler, pois isso irá influir no seu desenvolvimento e na sua postura se gosta ou não de ler. Tudo tem de ter um rigor literário ainda mais reforçado pela implicação que vai ter na criança que ainda está em formação. Infelizmente, há no mercado livreiro, muitas obras infantis e, até prémios de literatura infantil atribuído a obras, com uma linguagem demasiado infantilizada em que prolifera a visão romantizada do adulto e não ajudam nada ao desenvolvimento íntegro da criança.  Por isso, ajuda a que um escritor de literatura infantil tenha algum conhecimento do desenvolvimento da criança (por ex: dos estágios de Piaget) e responsabilidade em escrever textos que promovam o crescimento. Assim, quando ser escritor nos corre nas veias, tanto se escreve prosa, poesia… como até teatro, mas ter sempre a consciência do que a sua escrita poderá contribuir para o enriquecimento de alguém.

Boas escritas!



Pode obter mais informações sobre o livro aqui.

Pode ler ou reler as outras entrevistas da autora aqui, aqui e aqui.


Livro: "Natal em tempo de guerra", de Nina Pianini




Não se passa em nenhum destino turístico cheio de neve e muito chocolate quente.
Não temos nenhum protagonista a regressar à sua adorável cidadezinha (onde ainda há espírito natalício) e concluir que ali é que se encontra a realização pessoal.
Não!

Neste romance come-se bolo-rei, rabanadas e sonhos... A acção passa-se entre Lisboa e Guiné-Bissau...
Entre um soldado da guerra colonial e a sua madrinha de guerra...
Porque a Nina Pianini também sabe contar histórias de amor...
Porque em Portugal também há Natal, romance e romance histórico.
E vive tudo aqui na Tecto de Nuvens:




Natal em tempo de guerra - romance
-; Nina Pianini
112 páginas, capa mole; Tecto de Nuvens, 2025 PVP: 12,00€



Um romance histórico emocional que atravessa os horrores da Guerra Colonial Portuguesa para revelar a força da palavra, da memória e do amor. A narrativa ficcional fala de Miguel, um jovem recém licenciado enviado para a Guiné-Bissau em abril de 1973, que sofre as amarguras da guerra e sua transformação pelo vínculo através das cartas com Teresa, sua madrinha de guerra, e apoio do povo local o salvará, da solidão e de si mesmo.

A história comovente culmina num reencontro inesperado e numa promessa de paz que se transforma, anos depois, numa fundação dedicada ao bem-estar emocional e à não-violência. O romance é uma homenagem à resiliência humana, à fraternidade entre culturas e à capacidade de cura através da escuta e da escrita.




Disponível na nossa loja online e nas principais plataformas nacionais e internacionais.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Laura Ramos, autora do livro "Eu, El Rei D. Sebastião, a vós retorno! - edição revista -" em entrevista

 

 O escritor é conhecido pela sua insatisfação, pela vontade de retocar, reescrever, aperfeiçoar, mas também é conhecido pela sua atracção pelo mistério, pelo inesperado, por aquilo que é menos óbvio... Laura Ramos não foge a nenhum destes conceitos e o livro de que agora nos fala é o exemplo disso. O tema fascinou-a, seduziu-a, as circunstâncias permitiram-lhe uma nova edição do livro e, como tal, retocar aqui e ali, sempre na busca da perfeição literária.
E assim, tal como o monarca, também o livro regressa...
A autora não é estranha para os leitores do blogue e já antes nos falou do seu gosto pela escrita e da preferência pelo romance, mas tal como um bom livro, cada nova "leitura" da autora traz algo de novo sobre esta viseense de 56 anos. Aprendemos sobre ela e sobre este regresso do seu "Eu, El Rei D- Sebastião a vós retorno!" enquanto nos fala sobre este assunto fascinante.
Laura Ramos, por voz própria e na primeira pessoa...
 

  Fale-nos um pouco sobre o seu novo livro.

Trata-se de um romance histórico que explora a lenda de D. Sebastião e se apoia na versão de que o rei não morreu na batalha de Alcácer Quibir.
Mistura realidade com ficção. Recria cenas em que são lembrados episódios históricos, situações que aconteceram na realidade e que marcaram a vida, a derrota militar e o espírito do rei.
Ao mesmo tempo, partindo da versão de que o rei não desapareceu em Alcácer Quibir, mas continuou a viver, sem coroa, e partindo das circunstâncias pessoais historicamente conhecidas, tentei recriar o contexto mental e espiritual em que o homem teria mergulhado ao defrontar-se com uma nova realidade de vida.
Procurei ancorar-me nas características pessoais conhecidas ao rei para elaborar os seus sentimentos, ideias e vontades que sejam verosímeis num contexto de sobrevivência pós batalha.
               
  Para além da nova capa, esta versão difere muito da de 2022, ou fez apenas alguns retoques?

Apenas fiz uns pequenos retoques, mas a história permanece igual. 

  Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler (ou dar a ler) o seu livro?

Sempre me apaixonou perceber o motivo que tornou lendário um rei que, na verdade, perdeu a guerra, a coroa e deixou o reino à mercê daqueles que sempre ambicionaram dominar Portugal. Esse gosto talvez seja partilhado pelos leitores.
Vale a pena recordar o clima de mistério e ânsia que rodeou o nascimento deste rei e o seu desaparecimento do trono.
Também vale a pena conhecer a possibilidade de o rei não ter morrido na batalha, o que é uma circunstância admitida por alguns historiadores.
Por outro lado, vivemos tempos de turbulência, incerteza e insegurança. Nessas fases, os povos preferem mergulhar nas suas lendas, onde muitas vezes encontram inspiração e forças para continuar a acreditar no presente e no futuro.
E depois há as razões práticas para ler este livro: é relativamente pequeno e rápido de se ler, tem uma capa linda.
Sobretudo é bom recordar um rei que se transformou num mito ainda hoje presente na consciência nacional. Apesar dos fatídicos factos históricos, o rei D. Sebastião representa a esperança em dias melhores e no ressurgimento nacional. Ótimos motivos para o reler!

  Este livro aborda um dos temas mais fantásticos, místicos e misteriosos da História de Portugal. O que é que a levou a abordar esta temática e o porquê da escolha desta teoria (que embora, provavelmente seja das mais bem suportadas em termos de provas, não é a que a maior parte dos leitores conhecerá, aqui “conhecerá” como possibilidade e não como parte do mito)?

Sempre me fascinaram temas misteriosos e a vida de D. Sebastião deixou-nos como legado um mistério enorme, a esperança de o país ter de cumprir uma obra inacabada. Este rei deixa muitas perguntas no ar, muitos “porquês” sobre a sua existência, sobre as suas escolhas e sobre o destino de Portugal.
Também quis dar vida à possibilidade da sobrevivência do rei, de modo a que as teses que se debruçam sobre isso não sejam lembradas apenas na dimensão do estudo, mas na riqueza do romance que, partindo do conhecido, persegue o desconhecido e dá vida às personagens históricas, tornando-as próximas de nós todos e, dessa forma, podemos melhor compreender quem foram e como pulsaram.
Alguns factos ficcionados assentam mesmo em possibilidades que já vi exploradas. 

  E a forma de narrativa, entre lá e cá, o sonho e a memória? Foi uma escolha natural, intuitiva?

É uma forma de não tornar o livro pesado com pormenores da vida pessoal do rei e das demais personagens, indo buscar as partes que sobressaem na vida das pessoas que um dia estiveram na Terra a cumprir o seu destino e a tecer os fios à nossa meada, enquanto nação. Um livro de História tem de se debruçar sobre tudo, mas um romance vai buscar as partes mais importantes para descobrir as pessoas. 

  Este livro é uma espécie de híbrido entre o romance histórico e o especulativo. O ano passado contemplou-nos com um romance contemporâneo “A Ditadura das Árvores”, o romance é a sua forma de comunicação preferida? É um género a que tenciona voltar?

Sim, sem dúvida que o romance é uma forma de comunicação e a oportunidade de criar. Embora não tenha datas, nem objectivos que pressionem, gostaria de continuar a escrever.
“A Ditadura das Árvores” é um livro sobre o presente e o futuro próximo, os problemas, os medos e as esperanças que a humanidade hoje enfrenta. Acaba por ter pontos de contacto com o livro “Eu, el rei D. Sebastião, a vós retorno”, na medida em que este também viaja pelos medos e esperanças de uma nação.
Ambos encaixam neste tempo de mudanças aceleradas, em que o homem busca o progresso, mas já anseia pelo sentido da sua existência e do futuro. São, pois, ambos livros que têm voz para este tempo.

  Tem mais projectos para livros? Actividades?

Sim, tenho algumas ideias de histórias que gostaria de transformar em romances. Dá-me prazer criar personagens diferentes e que tenham personalidade própria e deixem algum legado aos leitores.

Creio que não vou parar por aqui.



Mais informações sobre o livro aqui.
Leia (ou releia) as outras entrevistas de Laura Ramos aqui e aqui.

domingo, 14 de dezembro de 2025

Filomena Costa, autora de "Sebe, o Gnomo", em entrevista

 

 A mais recente edição do Prémio de Conto Infanto/Juvenil Tecto de Nuvens produziu não um, mas dois segundos classificados. Ambos com a particularidade de se passarem em florestas com figuras "míticas" e magia (da boa) e também, posteriormente, com ambos a serem ilustrados pelas próprias autoras.
O simpático Dragão Rebolão já por aqui voou, mais a sua autora, hoje temos a visita do Sebe, que é um gnomo (nem sempre simpático...) que vem apresentar as suas aventuras e desventuras pela voz da sua autora, Filomena Costa, que aos 60 anos está a ter um ano de algum destaque em Prémios literários.
Mas sobre a autora e este Gnomo nada melhor do que a própria para fazer as apresentações. Filomena Costa, de voz própria e na primeira pessoa. 

  Conte-nos como e porquê começou a escrever, por paixão ou por necessidade?

As histórias estiveram sempre presentes. Desde muito pequena escrevia, ilustrava e "editava" os meus ‘livros’ que oferecia aos amigos, à família, às professoras. A estória mais antiga que recordo, porque a minha professora primária, a D. Ilda, quis ficar com ela, foi a aventura de um patinho que se atreveu a entrar numa ‘grota’ escura, onde vivia um monstro que lhe gritou, com uma voz de fazer cair as penas: sai daqui patinho bisbilhoteiro!

  Qual o papel que a escrita ocupa na sua vida?

Faz parte intrínseca do que sou. As histórias estão por toda a parte e chamam-me. Desde os pássaros, pousados no cabo elétrico que atravessa a estrada, no caminho para o trabalho; o velho frágil, de olhar perdido, sentado numa cadeira, junto à porta que abre direto para a rua…

  Sempre sonhou publicar um livro?

Em criança, sim. Quando entrei na adolescência e durante boa parte da vida adulta, a escrita tornou-se necessidade primária, como comer ou dormir. Era algo que tinha de fazer, que gostava de fazer, mas não sentia vontade de expor, ou partilhar. Mesmo quando participava em concursos literários, o que me motivava era o desafio, o pretexto para criar.

  Qual é a sensação que tem ao ver, agora, o seu livro nas mãos? E em relação às ilustrações da capa e do miolo, que são suas?

A sensação de voltar aos seis anos e ter, finalmente, conseguido concretizar aquele desejo de transformar as ideias em palavras e imagens que se podem partilhar com os outros. Muito bom! 

  Tem algum projecto a ser desenvolvido, actualmente? Pensa publicar mais algum livro? Continua a sentir vontade de escrever?

Neste momento está em fase de edição um texto que venceu, este ano, o prémio literário Mariano Gago, de ficção científica e será publicado em breve. Estou ainda a escrever um conjunto de contos pensados para aplicar a sessões de Filosofia para Crianças.

  Fale-nos um pouco sobre o seu livro.

Sebe, o Gnomo é um jovem centenário cheio de personalidade e certezas. Descobre, da pior forma, que as ações têm consequências e que nem mesmo os gnomos podem viver sem os outros.

  Existe alguma parte do livro, em particular, que goste mais. Porquê?

Gosto sobretudo da relação entre a sílfide, Nectarina, e Sebe. Estabelece-se entre eles uma amizade verdadeira que podemos apreciar nos pequenos gestos e nos diálogos.

  Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler o seu livro? O que acha mais apelativo no seu livro?

A história é simples, fácil de ler que toca questões fundamentais: a resiliência, a amizade, a empatia, o respeito pelos outros e pela natureza.

  Qual é o seu estilo de escrita ou que tipo de mensagem gosta de passar no que escreve?

Por estranho que pareça, ou não, sinto que a minha escrita se bifurca, consoante mergulho no universo infantil, ou escrevo para adultos. Quando escrevo para o público infantil assumo o espanto, a curiosidade, a esperança nas soluções loucas, inesperadas e sempre divertidas.  Há sempre uma forma de resolver os desafios, com a ajuda dos outros, boa disposição, alguma magia e vontade de aprender.

  Qual o papel das redes sociais na vida e na divulgação da obra de um autor? E na sua?

Confesso que não sou grande apreciadora das redes sociais, o que certamente não é boa estratégia, enquanto autora. 

  Gosta de ler? Que tipo de leitor é que é?

Adoro ler. Já fui uma leitora voraz, capaz de ler em qualquer lugar e não deixar o livro a meio. Hoje, a disponibilidade de tempo já não é tanta e necessito de um espaço calmo, em confusão, para poder apreciar a leitura. Continuo incapaz de deixar a leitura a meio. 




Pode saber mais informações sobre o livro aqui.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Helena Ferreira, vencedora do 2º Prémio de Conto Infanto/Juvenil Tecto de Nuvens, em entrevista

 

 Não sei quem fica mais nervosa na hora do telefonema a comunicar a vitória do Prémio, se eu, se as vencedoras, provavelmente eu... Elas, após o choque inicial, mostram o talento que se encontrou na escrita, o mesmo entusiasmo, o mesmo poder de atracção para o enredo vencedor. A Helena Ferreira não foi excepção e logo contou que tinha escrito a história para a neta (naturalmente, não fazia parte do texto avaliado pelo júri, mas no final do livro - nas notas finais - encontram o "diálogo" entre avó e neta sobre este livro, acabado de ler pela avó) e de alguma forma, dei por mim, de novo a viajar por aquele bosque mágico.
Se já leram a entrevista da Mariana Manaia, a ilustradora da capa, já se aperceberam de que também ela se sentiu transportada para o bosque e a viver todas as cenas como se lá estivesse - o que diz bem do talento da autora, pois se os adultos reagem assim ao livro, imagine-se as crianças! E também já viram o quanto a Mariana ficou inspirada que até conseguiu transportar todo aquele brilho para o papel. E deixamos da entrevista dela algo para partilhar aqui, é que a Beatriz da história tem 9 anos, mas a Mariana criou-a a partir de uma foto da Bia (neta da autora) com 5, num processo absolutamente fantástico, não só de envelhecimento como de "embonecamento" (algo que aliás também já tinha feito com a Leonor, que passou de uma menina de 2 anos para uma pré-adolescente de 11).
Mas o que leva um conto a destacar-se de todos os outros, quando os "outros" são muito bons? É a valorização das palavras, é o alertar para um problema real (as palavras estão a perder-se), é o apresentar de soluções tão simples e tão mágicas; é o exemplo da verdadeira magia da escrita: aquela que retira o leitor do seu mundo e o transporta para o outro. Finalmente, é o tipo de livro que diverte, que ensina, que acarinha e que responsabiliza. É impossível ler-se este livro e não se fazer juramento de também nós nos tornarmos guardiões das palavras.
Mas a fada responsável por toda esta magia, uma académica e avó de 56 anos que colecciona livros pop-up,  é a melhor pessoa para apresentar este livro.
Helena Ferreira, por voz própria e na primeira pessoa...

  Esta primeira pergunta não é 100% original, mas ainda só a perguntámos uma vez… Foi a vencedora do Prémio de Conto Infanto/Juvenil Tecto de Nuvens (2025)- a segunda pessoa a ganhar este Prémio - qual foi a sensação de ter sido o seu conto o escolhido?

Foi uma sensação absolutamente indescritível! Quando recebi a notícia, senti uma mistura de alegria, surpresa e uma profunda gratidão. Este prémio tem um significado especial porque representa o reconhecimento de uma história que nasceu do meu amor pelas palavras e pela leitura. Saber que o júri viu valor na mensagem que quis transmitir - sobre a importância de preservar as palavras e o poder da leitura - foi emocionante. É como se a própria Beatriz, a minha personagem, tivesse conseguido cumprir a sua missão também no mundo real.

  Conte-nos como e porquê começou a escrever, por paixão ou por necessidade?

Comecei a escrever por paixão absoluta. Desde pequena que as palavras exercem sobre mim um fascínio quase mágico. Sempre acreditei no poder das palavras para transformar o mundo. Escrevi o meu primeiro livro infantil, "Lénita e o Principezinho Coração de Prata", em 2008 para a Francisca, e isso abriu uma porta que nunca mais fechei. A escrita não é uma necessidade no sentido prático, mas sim uma necessidade da “alma” - é a minha forma de conspirar histórias e de acreditar que posso fazer a diferença, especialmente na vida das crianças.

  Qual o papel que a escrita ocupa na sua vida?

A escrita é o meu refúgio e a minha revolução. Vivo entre pilhas de livros e passo o tempo a conspirar histórias. A escrita para crianças, em particular, é a minha forma de manter viva a magia num mundo cada vez mais caótico. É onde consigo fundir o meu lado académico com o meu lado sonhador, onde posso ser simultaneamente rigorosa e fantasiosa. Também gosto de escrever contos e, por vezes, aventuro-me na poesia e na dramaturgia. Ainda não desisti de terminar um romance que iniciei há muitos anos. Vamos ver…

  Sempre sonhou publicar um livro?

Não diria que "sempre", mas desde que descobri o prazer de contar histórias para crianças, sim. O sonho ganhou forma quando percebi que as histórias que escrevia podiam ter vida para além do momento da leitura, que podiam chegar a outras crianças, outras famílias. Cada livro publicado - "Lénita e o Principezinho Coração de Prata" (2008), "Ti Manel Xeringa" (2011), e agora "O Bosque das Palavras Perdidas" (2025) - é a concretização desse sonho renovado.

  Qual é a sensação que tem ao ver, agora, o seu livro nas mãos?

É uma sensação surreal e maravilhosa. Ver "O Bosque das Palavras Perdidas: Porque todas as palavras são importantes!" materializado, com as belas ilustrações da Mariana Manaia na capa, é como ver um sonho ganhar corpo. Mas o mais emocionante é imaginar as mãos de crianças a folhearem estas páginas, os seus olhos a descobrirem a história da Beatriz e a Árvore das Palavras. É saber que estas palavras que escrevi vão voar para outros corações e, quem sabe, inspirar novas gerações de leitores e escritores.

  Tem algum projecto a ser desenvolvido, actualmente? Pensa publicar mais algum livro? Continua a sentir vontade de escrever?

Absolutamente! A vontade de escrever nunca desaparece. Tenho sempre histórias a fervilhar na cabeça, personagens que me visitam em momentos inesperados. Entre o stress do quotidiano, as histórias continuam a aparecer. Quanto a projetos concretos, prefiro deixá-los amadurecer um pouco antes de os revelar, mas posso garantir que há mais aventuras a caminho. As crianças merecem histórias que as façam sonhar e acreditar que podem mudar o mundo.

  Fale-nos um pouco sobre o seu livro.

"O Bosque das Palavras Perdidas - Porque todas as palavras são importantes!" conta a história de Beatriz, uma menina de nove anos que descobre que as palavras estão a desaparecer. Não apenas dos seus cadernos, mas da própria realidade - as pessoas deixam de as ouvir e de as ver. Na sua busca pelas palavras perdidas, Beatriz encontra a Árvore das Palavras, uma árvore mágica que guarda todas as palavras que alguma vez existiram, e Luna, a Guardiã das Palavras.

É uma metáfora sobre o que estamos a perder na era digital - a riqueza da linguagem, o prazer da leitura, o poder das histórias. Mas é também uma história de esperança, que mostra como uma criança corajosa pode fazer a diferença. Através da leitura, da partilha de histórias e da valorização das palavras, a Beatriz consegue salvar a Árvore e inspirar outros a redescobrirem a magia da linguagem.

  Existe alguma parte do livro, em particular, que goste mais. Porquê?

Tenho um carinho especial por dois momentos. O primeiro é quando a Beatriz descobre a Árvore das Palavras pela primeira vez - essa sensação de maravilhamento, de descobrir algo mágico e precioso. Tentei capturar aquele momento em que uma criança percebe que há mais no mundo do que aquilo que vê à superfície.

O segundo momento é o serão de histórias em família, quando Beatriz conta aos pais a história que acabou de viver (sem revelar que era real). É um momento de intimidade, de redescoberta, de ligação. Os pais, absortos no quotidiano stressante, redescobrem o prazer de simplesmente escutar. É isso que quero que este livro inspire - momentos de partilha, de presença, de magia simples.

  Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler o seu livro? O que acha mais apelativo no seu livro?

Aconselho a leitura deste livro porque ele fala de algo urgente e essencial: a preservação da linguagem e do amor pela leitura numa era de hiper-conectividade e comunicação simplificada. É um livro que:

·         Para as crianças: É uma aventura mágica que as faz sentir-se poderosas, mostrando que podem fazer a diferença

·         Para os pais e educadores: É um lembrete suave, mas poderoso sobre a importância de cultivar o amor pelas palavras

·         Para todos: É uma celebração da linguagem, das histórias e do poder transformador da leitura

O mais apelativo, creio, é que não é um livro que prega ou moraliza. É uma história genuína, com magia, aventura e emoção, que naturalmente inspira os leitores a valorizarem as palavras.

  Não resisto a perguntar isto: a personagem principal concorreu com este livro a um Prémio literário e ganhou-o. O que foi isso? Manifestação de um desejo? Futurologia? “Hipnose” para o júri?

Essa é uma pergunta deliciosa! E, fez-me rir. Quando escrevi a história, a Beatriz já tinha essa jornada completa na minha mente - incluindo o facto de ela se tornar escritora e ganhar um prémio. Foi, talvez, uma manifestação de um desejo profundo: que as histórias sobre a importância das palavras sejam reconhecidas e celebradas.

Mas confesso que quando o meu próprio livro ganhou o Prémio Tecto de Nuvens 2025, senti um arrepio. A vida imitou a arte, ou a arte antecipou a vida? Prefiro pensar que foi a magia das palavras a funcionar - essa mesma magia sobre a qual escrevo. As palavras têm poder, e quando as usamos com intenção e amor, coisas extraordinárias podem acontecer.

  A acompanhar este livro há um eBook. Fala-nos sobre ele e como pode ser não só vantajoso, como adaptável, para pais e educadores.

O guia que acompanha o livro é, na verdade, um prolongamento da experiência da leitura. Chama-se "Guia para Pais e Educadores - O Bosque das Palavras Perdidas" e está disponível gratuitamente em formato digital, para quem adquire o livro.

Este guia oferece:

·         Atividades práticas inspiradas na história (como criar a própria Árvore das Palavras em casa ou na sala de aula)

·         Jogos de palavras para dinamizar o amor pela linguagem

·         Sugestões para serões de histórias em família

·         Ideias para clubes de leitura

·         Rituais de leitura e escrita criativa

O que o torna especial é a sua adaptabilidade. Não é prescritivo - oferece ferramentas que pais e educadores podem adaptar às suas realidades, idades das crianças e contextos. Pode ser usado em casa, na biblioteca, na escola, em ATLs. A ideia é democratizar o acesso a formas criativas de manter as palavras vivas, tal como a Beatriz faz na história.

  Qual é o seu estilo de escrita ou que tipo de mensagem gosta de passar no que escreve?

Não sei se tenho um estilo. Para ter um estilo era necessário que me considerasse uma escritora. E sinto-me apenas como uma aprendiz. Digamos que na escrita para crianças, procuro equilibrar a magia com a realidade emocional. Gosto de criar mundos fantásticos - como o Bosque das Palavras Perdidas: Porque todas as palavras são importantes!"  - mas ancorados em emoções e situações que as crianças reconhecem. E procuro escrever com uma linguagem rica, mas acessível, porque acredito que as crianças merecem ser desafiadas linguisticamente sem serem intimidadas.

Quanto às mensagens, procuro transmitir valores de coragem, solidariedade, responsabilidade e esperança. Acredito que as crianças são os únicos seres humanos verdadeiramente revolucionários, e as minhas histórias tentam alimentar essa capacidade transformadora. Quero que as crianças que leiam os meus livros sintam que podem mudar o mundo "no recreio da escola, antes do lanche", como costumo dizer.

  Qual o papel das redes sociais na vida e na divulgação da obra de um autor? E na sua?

Acredito que as redes sociais são uma ferramenta poderosa, mas que exigem muito tempo. No meu caso, só uso o Instagram [@helenag.ferreira] e procuro partilhar o meu processo criativo, mas não sei se tenho muito êxito, porque é algo muito esporádico.
Há também uma ironia deliciosa aqui: escrevo sobre a importância de desligarmos dos ecrãs e valorizarmos as palavras, e depois uso as redes sociais para divulgar essa mensagem! Por isso, tento usar as redes de forma consciente - partilhando conteúdo que inspire à leitura, à criatividade offline, às conversas reais. Sempre como uma ferramenta e não como um fim em si mesma.

  Gosta de ler? Que tipo de leitor é que é?

Adoro ler! Sou uma leitora omnívora e algo caótica. Vivo literalmente entre pilhas de livros - académicos, ficção, poesia, infantis, clássicos, contemporâneos. Leio em português, inglês, espanhol. Tenho sempre vários livros a decorrer simultaneamente, dependendo do humor.
Como leitora, sou intensamente emocional. Não consigo ler apenas com a cabeça - leio com o coração todo. Choro com as histórias, rio alto, fico furiosa com personagens, apaixono-me por palavras e excertos inteiros. Decoro passagens e poemas simplesmente porque gosto do som das palavras. Sublinho, rabisco nas margens e dialogo com os autores.
E claro, tenho uma relação especial com a literatura infantil. Leio-a não apenas para me inspirar como escritora, mas porque acredito genuinamente que alguns dos livros mais profundos e revolucionários são escritos para crianças. Eles ainda não esqueceram a magia. Faço-lhe até uma inconfidência: coleciono livros pop-up do mundo inteiro e já tenho, inclusive, uma enorme coleção.

Pode ver mais informações sobre o livro aqui.

 




O acesso ao eBook está disponibilizado no final do livro, basta escrever o endereço no seu browser e pode fazer o download gratuitamente.
Se não tem o livro mas está interessado nos exercícios (adaptáveis a qualquer livro), o eBook (em PDF) vende-se exclusivamente na nossa loja online (https://tecto-de-nuvens.pt/index.php?id_product=515&controller=product), também o pode adquirir enviando email para loja@tecto-de-nuvens.pt. Tem o custo simbólico de 2€.



quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Mariana Manaia, ilustradora, em entrevista.

  Há crianças que sonham em ser famosas, em ir à lua, conhecer esta ou aquela personagem (real ou imaginária)... E há aquelas crianças que criam mundos e lhes dão vida através dos desenhos. Com sorte mantém-se sonhadoras e talentosas e, de vez em quando, batem-nos à porta...

E assim temos a história desta jovem ilustradora, nascida em Coimbra e criada em Leiria. Este ano de 2025 esteve connosco e ajudou-nos com a criação de vários mundos: o de um robô muito capaz; o de um bosque mágico e o sempre fantástico mundo da mitologia sebastianista.

Ainda teve um bocadinho de tempo para criar um belo postal de Férias, co-vencedor do nosso Desafio de Julho. 

E é pelos seus lápis e pincéis que vai ser colorida esta entrevista em que fala dos três livros em que trabalhou este ano. Mariana Manaia por voz própria e na primeira pessoa:

       Conte-nos quando é que começou a desenhar e quando é que começou a usar o desenho para ilustrar algo?

Eu desenho desde que me lembro! Se formos a ver, todos nós desenhamos, e somos artistas em criança. Eu nunca deixei de desenhar, sempre foi parte de mim. Usar o desenho para ilustrar histórias é algo mais recente, o meu primeiro livro ilustrado foi “Um sonho GIGANTESCAMENTE transformador” da autora Suzana de Freitas, que foi publicado este ano, em Janeiro. Foi muito gratificante e estou neste momento a trabalhar para fazer da ilustração o meu trabalho a tempo inteiro. Felizmente, desde aí já consegui fazer alguns trabalhos com a Tecto de Nuvens a quem agradeço a confiança e o apoio. Muito obrigada.

       Qual o papel do desenho (e da arte em geral) na sua vida?

Quando sou criativa é quando me sinto mais alinhada comigo mesma e mais feliz. Desenhar é uma forma de expressão e é também uma forma de “escape”. Eu tenho uma mente muito ativa, penso muito, imagino muito e tenho muitas ideias o que é muito bom mas também se torna difícil às vezes. Quando desenho, é algo automático e intuitivo e a mente desliga. Tudo o que interessa naquele momento é o que estou a criar. E quando acabo uma ilustração sinto uma sensação de conquista e de orgulho, o que também é agradável!

       Como é que faz a ilustração de um livro? É um processo “técnico” (no sentido de regras, equilíbrios…) ou mais intuitivo/emocional (do género “consigo visualizar esta cena”)?

O meu processo começa sempre pela leitura do livro. Eu imagino, na minha cabeça, as cenas a desenrolar como um filme. E depois tento traduzir para o papel as cenas chave do “filme” que melhor representem o texto. Só depois dessa parte mais intuitiva e emocional é que penso como posso melhorar o desenho pensando nas regras dos terços, na teoria da cor e nessas coisas mais técnicas.

       Falando especificamente dos livros “Leonor e o robô Topap” (ilustração e capa); “O Bosque das Palavras Perdidas” (ilustração da capa) e “Eu, El Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” (ilustração e capa), qual é a sensação que tem ao ver, agora, os livros, já prontos, nas mãos?

É muito gratificante! Ver o meu trabalho como algo físico e tangível e saber que vai dar a cara a estes trabalhos tão bonitos das minhas colegas autoras é uma honra.

       Fale-nos um pouco sobre o ilustrar de cada um destes livros. Foi fácil, intuitivo?

Há livros mais fáceis que outros de ilustrar, por diversas razões. Às vezes a inspiração atinge-nos imediatamente, outras vezes é preciso explorar diversas ideias. E depois também é preciso que a nossa ideia vá de encontro às ideias e expectativas do autor, o que pode acontecer à primeira (com alguma sorte) ou pode precisar de mais algumas tentativas!

Para o livro da “Leonor e o robô Topap” foram precisas várias tentativas para o design final das personagens. Especialmente para o robô Topap. A maneira como interpretei o robô estava longe daquilo que a autora e a editora tinham imaginado. Foi preciso refazer várias vezes o esboço e, ao mesmo tempo, partes do texto que descreviam o robô foram retrabalhadas para chegarmos ao produto final. Mesmo com todos estes percalços eu gostei imenso deste trabalho. Acho que nunca tinha desenhado um robô, por isso foi um desafio engraçado! Para além que gostei imenso da história.

Para o livro “O Bosque das Palavras Perdidas” foi algo muito intuitivo. A autora Helena Ferreira tem um dom para a descrição, o que tornou o meu trabalho muito fácil. O desenho foi feito de início ao fim sem ser preciso uma única alteração. Um daqueles casos em que a ilustradora tem muita sorte!

Por fim, “Eu, El-rei Dom Sebastião, a vós retorno!” foi o meu primeiro livro com a Tecto de Nuvens fora da categoria infantil. A autora tinha muitas ideias desde início, o que poderia correr bem ou mal! Será que conseguiria ir de encontro às expectativas? Correu tudo bem felizmente, as ideias da autora eram muito interessantes e algumas iam de acordo com o que eu já tinha imaginado. A autora falou num nevoeiro e um cavaleiro, e eu imaginei logo uma capa que fluísse para a contracapa, uma ilustração única. Mais tarde surgiu a ideia da coroa que eu também incorporei. A editora Teresa também foi essencial para este trabalho, foi a ponte entre mim e a autora e deu ideias muito valiosas que levaram a uma das capas mais bonitas que já fiz (na minha opinião claro)!

       Existe alguma parte de cada um destes livros, em particular, que a toque mais. Porquê? Influenciou o estilo/escolha do traço?

Para o livro da “Leonor e o robô Topap” a cena final foi a mais marcante para mim e é a cena que deu origem à capa. Os dois parceiros triunfantes, tendo cumprindo a sua missão, foram o foco desta ilustração. O design destas personagens, como falei anteriormente, foi algo que precisou de várias tentativas, por isso também eu me sinto triunfante de os ver assim na capa!

“O bosque das palavras perdidas” tocou-me especialmente pela imersão que tive ao ler este livro. Deu-me imenso gosto ler, e relembrou-me das minhas sessões de leitura em criança. É um livro muito bonito e com uma mensagem muito importante. Para este livro quis me focar em trazer alguma magia para a capa para refletir isso, e por isso a luz foi o foco desta ilustração.

O livro “Eu, El-Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” foi o meu primeiro livro com a Tecto de Nuvens fora da categoria infantil. Por isso quis fazer algo bastante diferente e apostar tudo no cenário, em vez de na personagem. O resultado foi uma ilustração com algum mistério, e com alguns elementos que representam bem este livro!

       Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler estes livros? O que acha mais apelativo nos livros?

“Leonor e o robô Topap” é um livro engraçado e tenro sobre um robô abandonado e a menina que o encontra e que o ajuda a encontrar o seu propósito. A inteligência artificial, um tema tão atual, é um dos temas centrais do livro. Como podemos utilizar esta tecnologia para o bem da humanidade? Para mim, como ilustradora, é algo tão importante, porque como sabemos a inteligência artificial está a roubar trabalhos artísticos, seja na ilustração, na escrita ou até na música. Trabalhos estes profundamente humanos, que muitos de nós queremos fazer! Mas podemos utilizá-la para fazer os trabalhos que não queremos ou que sejam perigosos para os humanos como iremos explorar neste livro!

“O bosque das palavras perdidas” é um livro lindo sobre a importância das palavras. Eu diria mesmo que é digno de um filme da Disney. A autora transporta-nos para dentro da história com o seu dom da descrição e o livro tem uma mensagem bonita e cada vez mais importante nos dias de hoje. Aconselho vivamente!

E por fim “Eu, El-Rei Dom Sebastião, a vós retorno!” é um livro já para um público mais crescido. Procura responder ao maior mistério da História de Portugal com uma hipótese muito interessante e emocionante. Aconselho a qualquer apreciador de história e de ficção.

       Considera a arte, neste caso não apenas na perspectiva de um apreciador, mas de alguém que “produz” algo, seja um bordado, uma colagem, pintura, desenho, tocar um instrumento, etc, como sendo sempre uma actividade (até na perspectiva de “escape”) recomendável e positiva? Ou é apenas se a pessoa for boa na sua realização? Ou pode ser benéfico mesmo que o resultado final não seja digno de ir para o Museu? Acha que há mérito no processo por si só?

A arte é algo que todos deveríamos fazer, faz parte de ser humano. Pensem nas pinturas das cavernas. A arte sempre fez parte de nós! Hoje estamos muito desligados do nosso lado criativo, por “falta de tempo” ou porque achamos que “só conta se formos bons à primeira”. Mas permitir-se largar a perfeição e ser mau a alguma coisa, pintar fora das linhas, fazer uma cerâmica torta, permitir-nos errar e tentar de novo é algo profundamente humano. Só avançamos, só melhoramos, se tentarmos e não ficarmos agarrados a uma ideia de perfeição que não existe.

O processo criativo, seja por que meio for, é algo muito benéfico para qualquer pessoa. Alguém disse: “A expressão é o oposto da depressão”. Não tenham medo de se exprimir através de qualquer forma de arte. É verdadeiramente libertador.