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terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Nina Pianini, autora de "Natal em tempo de guerra", em entrevista

 

 Nina Pianini (pseudónimo), 63 anos, tem um novo livro!

Não, não é uma repetição, está mesmo de volta e a tempo do Natal!
Já este ano estivemos à conversa com a autora que, sempre muito generosamente, partilha belas palavras e não só. - Veja no final como aceder às outras entrevistas. - 
E à laia de prenda de Natal, fica aqui a apresentação do seu romance de Natal: "Natal em tempo de guerra". 
E se no final estiver com muita pena de não ter comprado este livro, não se preocupe, o nosso folheto de Natal é válido até meio de Janeiro, ainda vai a tempo de o comprar, mas, mais importante, vai sempre a tempo de o ler.
Mas, sem mais demoras, deixemos que a autora trate das apresentações.
Nina Pianini, de voz própria e na primeira pessoa:
 

  Este seu novo livro, é uma estreia no romance, como é que deu por si a ir para lá do seu género mais habitual, o conto?

Penso que é difícil domar a veia criativa. Ela, por vezes, leva-nos para onde a imaginação quer seguir. Foi o meu caso. Perante o desafio lançado pela Tecto de Nuvens de escrever  um “romance de amor” aceitei logo porque gosto de desafios e de pôr à prova a minha capacidade de escrita.  A questão de ser romance, satisfaz-nos a quem gosta de escrever como eu, porque o conto breve, intenso como uma centelha ilumina um instante e logo se apaga. O romance deu-me espaço para se ir desenvolvendo pelas páginas e a possibilidade de acompanhar os personagens na sua dor, na sua esperança e na sua transformação.

À medida que escrevia, o sopro longo do romance de amor, pedia espaço, pedia tempo para que o amor nascesse, sofresse e se reinventasse para além da brevidade. Foi como se as próprias cartas me empurrassem para lá da fugacidade, obrigando-me a escutar os silêncios entre as linhas e a dar corpo ao que não podia ser dito em poucas páginas.

Depois de começar a escrever este género nunca mais parei. Fiquei tão delirante que até escrevi logo 5 romances de amor. Escrevi cheia de entusiasmo no espaço curto de poucas semanas. No caso do romance deste livro, o Natal é uma época de encontro e de memória, e quis cruzar essa atmosfera com uma narrativa histórica que nos toca a todos. A seu tempo, percebi que tive de me conter, pois por mim alongava-me mais e mais no desenrolar da ação e a explorar o silêncio entre as linhas. Penso que um autor quando olha para o seu texto vê-o a ganhar vida e é difícil ter de lhe dar um fim, quando a vontade era esmiuçar o que ia na alma dos personagens. Mas a questão do número de páginas obriga-nos a conter a nossa imaginação. Dito isto, o que quero dizer é que a minha estreia em Romances de Amor alargou meu campo de visão do que há ainda para escrever, assim como este próprio livro facilmente se podia transformar numa serie completa com tanto que havia mais para contar.

  Esta é toda uma estreia! Natal e romance histórico! Foi acaso, deliberado?

Como referi, este livro surge no âmbito de uma proposta da Tecto de Nuvens. Ainda bem que há editoras que nos provocam e nos incitam a escrever outros géneros para além dos que nós estamos inclinados. Por tal, o que mais me inquietou foi o arranque inicial por ser um “Romance de amor”, pois por vezes, os romances de amor caiem na banalidade de estereótipos que um escritor consciente quer evitar e não cair na redundância do que já todos os outros autores já escreveram. Um verdadeiro escritor quanto a mim, tem de explorar outras formas de apresentar a mesma questão, sob outros ângulos... Como priorizo sempre escrever algo que seja profundo e, principalmente que não seja “aborrecido” para o leitor, pois valorizo escrever um bom livro com um teor construtivo para o leitor e levá-lo a questionar. Assim, tinha de ser algo marcante e, muito naturalmente, senti o ímpeto de escrever relacionando o tema com uma fase tão difícil que Portugal viveu. A escolha não foi casual: é precisamente na tensão entre a dureza da guerra e a ternura das cartas que nasce a força do livro.

  E aborda uma questão que muito diz aos portugueses, a guerra colonial. Talvez não seja a primeira associação que se faça, mas, com um pouco de reflexão, e até antes das famosas mensagens, faz sentido que fosse uma época em que soldados e famílias mais sentissem a distância. Conte-nos como e porquê resolveu escrever este livro, e fazer esta abordagem?

A guerra colonial é uma ferida que ainda pulsa na pele da nossa memória coletiva e marcou profundamente várias gerações. Cresci a ouvir ecos dessa dor, e percebi que só através da literatura poderia dar corpo ao silêncio dos relatos não contados e memórias não registadas que ainda hoje ecoam na mente de quem viveu essa época. Enquanto escrevia este livro, percebi que só através da literatura poderia devolver humanidade a esse vazio. O livro é uma tentativa de dar voz à distância, ao vazio que se preenchia com cartas, ao amor que se sustentava na palavra escrita, mostrar que até na separação mais cruel pode nascer um gesto de amor. É uma forma de homenagear tanto dos que partiram como os que ficaram. Em simultâneo, tentei dignificar as cartas de Madrinha de Guerra que, até hoje nunca foram valorizadas pelo seu enorme potencial para o registo da nossa História Viva e essencial fazer parte do espólio de um Museu Histórico.

  Já romance e cartas, tem tudo a ver… Era impossível, suponho, escrever um romance sobre a Guerra Colonial sem as madrinhas de guerra. Ainda assim, não tem ideia de ser uma temática pouco explorada?

As madrinhas de guerra foram pontes invisíveis, mulheres que seguraram homens à beira do abismo com a força das palavras. Realmente, por ser um tema pouco explorado, até diria nunca referido, como uma mancha de que não se quer falar. Por isso, como autora considerei ser tão urgente colocar na literatura. Ao escrever este romance, senti que lhes devolvia o lugar que merecem na nossa História: o lugar da esperança, da resistência silenciosa, da ternura que atravessa fronteiras.

As madrinhas de guerra foram um elo vital entre o soldado e a vida civil, entre a dor e a esperança. Ao trazer essa dimensão, quis iluminar um papel feminino muitas vezes esquecido, mas que foi decisivo.

† Houve alguma história, em particular, que a tenha inspirado?

O conhecimento de existência dessas cartas chegaram até mim, ainda em jovem, quando um jovem meu vizinho partiu para a guerra e a quem recusei ser sua Madrinha de Guerra por não perceber o que isso significava. Só anos mais tarde, vi o erro que cometera quando me apercebi do terror da guerra colonial pela sua morte e ao saber pela sua mãe do seu desgosto de não ter nenhuma madrinha de guerra e do quanto teria sido benéfico para ele receber palavras amigas vindas de alguém conhecido da sua terra. Aprendi a dar valor às Madrinhas de Guerra ao ouvir relatos de familiares e testemunhos de soldados. Cartas que nunca ninguém valorizou nos manuais e livros de História Universal e muito menos está contemplado nos Museus de História Viva como se fosse algo inútil ou vão. Por isso, espero sinceramente que o meu romance possa relembrar o que está esquecido para que a história da guerra colonial fique completa.

  Indique as razões pelas quais aconselharia as pessoas a ler/comprar o seu livro? O que acha mais apelativo nele?

Este romance é uma história de amor e de sobrevivência, mas também de memória coletiva. O livro fala de dor, mas sobretudo de esperança, e mostra como até nos momentos mais sombrios podemos encontrar luz.

Este livro traz algo que o distingue: valoriza o poder da palavra escrita, fala da capacidade de resistência humana na guerra e o contributo que as cartas das Madrinhas de Guerra tiveram. A voz das madrinhas de guerra merece ser escutada, e o Natal continuará a ser um espaço fértil para cruzar memória, afeto e literatura. Mas mais do que uma história concreta, foi esse gesto universal de escrever para alguém distante. Cartas que atravessaram oceanos, que carregaram lágrimas e promessas. Inspirou-me essa fé na palavra, essa crença de que uma frase pode salvar um coração perdido no meio da guerra. O facto de acreditar que uma palavra pode salvar um coração no meio do caos. É esse gesto que quis eternizar. Este é um livro que fala de amor onde menos se espera: no campo de batalha, na solidão das trincheiras, na saudade das famílias. O mais apelativo é essa fusão entre História e emoção, entre a dor coletiva e a esperança íntima. É um romance que nos lembra que, mesmo em tempos de guerra, a palavra pode ser abrigo.

Tendencialmente, se verifica certas modas de que nem sempre o leitor-consumidor se apercebe. Por exemplo, se sai um livro sobre bibliotecas que se torna famoso, logo outros autores correm atrás a escrever sobre o mesmo tema ou a meter a palavra no enredo mesmo que seja numa única página, talvez como forma garantida de que se gostaram daquele livro sobre bibliotecas, então também vão gostar do seu. Aconteceu isso aqui nos últimos anos em que  fez furor nos EUA, em Inglaterra, na China e até no Japão. E todos os autores, ditos famosos, escreviam algo em que metessem a palavra “biblioteca” na capa ou em alguma página do livro!

Este ano, a moda são os “gatos”! A palavra “gato” aparece em vários títulos, ilustrações, contos… Por isso, é caso para se questionar: “Será que o escritor para se tornar conhecido tem de seguir modas? …” Penso que não, o escritor deve ser atento, observador e critico,  é isso que transporto para a escrita. Escrevo para encantar o leitor, para levantar questões e levar a pensar e, nesse processo ajudar ao crescimento pessoal.  É uma missão muito mais digna e abrangente. Daí ter escrito este livro “Amor em tempo de Guerra” sobre algo de que ninguém escreve: o poder das palavras e as cartas das Madrinhas de Guerra!

  Não resisto a perguntar (já sabe o que a casa gasta…): há potencial para mais livros dentro deste género? Seja romances de Natal, seja, porventura, algo deste género, mas pela perspectiva da madrinha de guerra?

Sem dúvida. Para mim, a escrita assume uma importância vital como a água para beber e leva-me à incessante necessidade de escrever mais e melhor. Cada vez mais, sou exigente no uso da palavra.  Penso que, num verdadeiro escritor há esse cuidado e aperfeiçoamento para oferecer ao leitor uma obra digna, tal como um pintor que apresenta sua obra-prima. Ora, este livro, sendo um romance de amor, possibilitou-me poder aprofundar a qualidade literária fundamental para a minha creditação literária, abrindo-me caminhos a explorar. Assim, completa-me o aspeto como o romance, seja de amor como de outros géneros, em que me permite desenvolver o texto com maior profundidade quer emoções como pensamentos, promovendo a reflexão. Abre asas de autor para escritor. Valorizo imenso oferecer ao leitor “escritas significativas”. O aperfeiçoamento literário e a importância do subjacente ao texto demarcam quando uma “autora” passa a “escritora”. E tenho a agradecer a todos os meus leitores e editores, que esse mérito está já a ser reconhecido pela avaliação da minha obra literária que é apresentada nas pesquisas online.

Quanto a próximas escritas, devo revelar que, há ainda muito silêncio à espera de ser transformado em palavra. Cada romance é uma semente e já tenho muitos a germinar, tudo depende das editoras que investem em nós, pois a imaginação nunca para. A Tecto de Nuvens apoia e dá incentivo e isso é o que os autores precisam. Neste caso, a Tecto de Nuvens teve igualmente um papel de destaque ao valorizar a perspectiva da madrinha de guerra que é riquíssima e merece ser aprofundada, dando a sua aprovação para a publicação sem a qual não seria possível este livro chegar ao leitor.

Entretanto já escrevi mais duas obras, desta vez de poesia infantil. E não se julgue que, por ser infantil que é menos literário, antes pelo contrário. A precisão de palavras, o ritmo, o enredo, os adjuvantes, o clímax, o desenlace… são alguns componentes que exigem muita habilidade e concisão literária que nem sempre é reconhecida. Nada mais errado do que pensar que é fácil escrever para crianças.  Reforço que me preocupo imenso com o que se oferece às crianças para ler, pois isso irá influir no seu desenvolvimento e na sua postura se gosta ou não de ler. Tudo tem de ter um rigor literário ainda mais reforçado pela implicação que vai ter na criança que ainda está em formação. Infelizmente, há no mercado livreiro, muitas obras infantis e, até prémios de literatura infantil atribuído a obras, com uma linguagem demasiado infantilizada em que prolifera a visão romantizada do adulto e não ajudam nada ao desenvolvimento íntegro da criança.  Por isso, ajuda a que um escritor de literatura infantil tenha algum conhecimento do desenvolvimento da criança (por ex: dos estágios de Piaget) e responsabilidade em escrever textos que promovam o crescimento. Assim, quando ser escritor nos corre nas veias, tanto se escreve prosa, poesia… como até teatro, mas ter sempre a consciência do que a sua escrita poderá contribuir para o enriquecimento de alguém.

Boas escritas!



Pode obter mais informações sobre o livro aqui.

Pode ler ou reler as outras entrevistas da autora aqui, aqui e aqui.


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