Este seu novo livro, é uma estreia no
romance, como é que deu por si a ir para lá do seu género mais habitual, o
conto?
Penso que é difícil domar a veia criativa.
Ela, por vezes, leva-nos para onde a imaginação quer seguir. Foi o meu caso.
Perante o desafio lançado pela Tecto de Nuvens de escrever um “romance de amor” aceitei logo porque
gosto de desafios e de pôr à prova a minha capacidade de escrita. A questão de ser romance, satisfaz-nos a quem
gosta de escrever como eu, porque o conto breve, intenso como uma centelha
ilumina um instante e logo se apaga. O romance deu-me espaço para se ir desenvolvendo
pelas páginas e a possibilidade de acompanhar os personagens na sua dor, na sua
esperança e na sua transformação.
À medida que escrevia, o sopro longo do
romance de amor, pedia espaço, pedia tempo para que o amor nascesse, sofresse e
se reinventasse para além da brevidade. Foi como se as próprias cartas me
empurrassem para lá da fugacidade, obrigando-me a escutar os silêncios entre as
linhas e a dar corpo ao que não podia ser dito em poucas páginas.
Depois de começar a escrever este género
nunca mais parei. Fiquei tão delirante que até escrevi logo 5 romances de amor.
Escrevi cheia de entusiasmo no espaço curto de poucas semanas. No caso do
romance deste livro, o Natal é uma época de encontro e de memória, e quis
cruzar essa atmosfera com uma narrativa histórica que nos toca a todos. A seu
tempo, percebi que tive de me conter, pois por mim alongava-me mais e mais no
desenrolar da ação e a explorar o silêncio entre as linhas. Penso que um autor
quando olha para o seu texto vê-o a ganhar vida e é difícil ter de lhe dar um
fim, quando a vontade era esmiuçar o que ia na alma dos personagens. Mas a
questão do número de páginas obriga-nos a conter a nossa imaginação. Dito isto,
o que quero dizer é que a minha estreia em Romances de Amor alargou meu campo
de visão do que há ainda para escrever, assim como este próprio livro facilmente
se podia transformar numa serie completa com tanto que havia mais para contar.
Esta é toda uma estreia! Natal e romance
histórico! Foi acaso, deliberado?
Como referi, este livro surge no âmbito de
uma proposta da Tecto de Nuvens. Ainda bem que há editoras que nos provocam e
nos incitam a escrever outros géneros para além dos que nós estamos inclinados.
Por tal, o que mais me inquietou foi o arranque inicial por ser um “Romance de
amor”, pois por vezes, os romances de amor caiem na banalidade de estereótipos que
um escritor consciente quer evitar e não cair na redundância do que já todos os
outros autores já escreveram. Um verdadeiro escritor quanto a mim, tem de
explorar outras formas de apresentar a mesma questão, sob outros ângulos... Como
priorizo sempre escrever algo que seja profundo e, principalmente que não seja
“aborrecido” para o leitor, pois valorizo escrever um bom livro com um teor
construtivo para o leitor e levá-lo a questionar. Assim, tinha de ser algo
marcante e, muito naturalmente, senti o ímpeto de escrever relacionando o tema
com uma fase tão difícil que Portugal viveu. A escolha não foi casual: é
precisamente na tensão entre a dureza da guerra e a ternura das cartas que
nasce a força do livro.
E aborda uma questão que muito diz aos
portugueses, a guerra colonial. Talvez não seja a primeira associação que se
faça, mas, com um pouco de reflexão, e até antes das famosas mensagens, faz
sentido que fosse uma época em que soldados e famílias mais sentissem a
distância. Conte-nos como e porquê resolveu escrever este livro, e fazer esta
abordagem?
A guerra colonial é uma ferida que ainda
pulsa na pele da nossa memória coletiva e marcou profundamente várias gerações.
Cresci a ouvir ecos dessa dor, e percebi que só através da literatura poderia
dar corpo ao silêncio dos relatos não contados e memórias não registadas que
ainda hoje ecoam na mente de quem viveu essa época. Enquanto escrevia este
livro, percebi que só através da literatura poderia devolver humanidade a esse
vazio. O livro é uma tentativa de dar voz à distância, ao vazio que se
preenchia com cartas, ao amor que se sustentava na palavra escrita, mostrar que
até na separação mais cruel pode nascer um gesto de amor. É uma forma de
homenagear tanto dos que partiram como os que ficaram. Em simultâneo,
tentei dignificar as cartas de Madrinha de Guerra que, até hoje nunca foram valorizadas pelo seu enorme potencial para o
registo da nossa História Viva e essencial fazer parte do espólio de um Museu
Histórico.
Já romance e cartas, tem tudo a ver… Era impossível,
suponho, escrever um romance sobre a Guerra Colonial sem as madrinhas de
guerra. Ainda assim, não tem ideia de ser uma temática pouco explorada?
As madrinhas de guerra foram pontes invisíveis, mulheres que
seguraram homens à beira do abismo com a força das palavras. Realmente, por ser
um tema pouco explorado, até diria nunca referido, como uma mancha de que não
se quer falar. Por isso, como autora considerei ser tão urgente colocar na
literatura. Ao escrever este romance, senti que lhes devolvia o lugar que
merecem na nossa História: o lugar da esperança, da resistência silenciosa, da
ternura que atravessa fronteiras.
As madrinhas de guerra foram um elo vital
entre o soldado e a vida civil, entre a dor e a esperança. Ao trazer essa
dimensão, quis iluminar um papel feminino muitas vezes esquecido, mas que foi
decisivo.
Houve alguma história, em particular, que a
tenha inspirado?
O conhecimento de existência dessas cartas
chegaram até mim, ainda em jovem, quando um jovem meu vizinho partiu para a
guerra e a quem recusei ser sua Madrinha de Guerra por não perceber o que isso
significava. Só anos mais tarde, vi o erro que cometera quando me apercebi do
terror da guerra colonial pela sua morte e ao saber pela sua mãe do seu
desgosto de não ter nenhuma madrinha de guerra e do quanto teria sido benéfico
para ele receber palavras amigas vindas de alguém conhecido da sua terra. Aprendi
a dar valor às Madrinhas de Guerra ao ouvir relatos de familiares e testemunhos
de soldados. Cartas que nunca ninguém valorizou nos manuais e livros de
História Universal e muito menos está contemplado nos Museus de História Viva
como se fosse algo inútil ou vão. Por isso, espero sinceramente que o meu
romance possa relembrar o que está esquecido para que a história da guerra
colonial fique completa.
Indique as razões pelas quais aconselharia
as pessoas a ler/comprar o seu livro? O que acha mais apelativo nele?
Este romance é uma história de amor e de
sobrevivência, mas também de memória coletiva. O livro fala de dor, mas
sobretudo de esperança, e mostra como até nos momentos mais sombrios podemos
encontrar luz.
Este livro traz algo que o distingue: valoriza o poder da
palavra escrita, fala da capacidade de resistência humana na guerra e o
contributo que as cartas das Madrinhas de Guerra tiveram. A voz das madrinhas
de guerra merece ser escutada, e o Natal continuará a ser um espaço fértil para
cruzar memória, afeto e literatura. Mas
mais do que uma história concreta, foi esse gesto universal de escrever para
alguém distante. Cartas que atravessaram oceanos, que carregaram lágrimas e
promessas. Inspirou-me essa fé na palavra, essa crença de que uma frase pode
salvar um coração perdido no meio da guerra. O facto de acreditar que uma
palavra pode salvar um coração no meio do caos. É esse gesto que quis
eternizar. Este é um livro que fala de amor onde menos se espera: no campo de
batalha, na solidão das trincheiras, na saudade das famílias. O mais apelativo
é essa fusão entre História e emoção, entre a dor coletiva e a esperança
íntima. É um romance que nos lembra que, mesmo em tempos de guerra, a palavra
pode ser abrigo.
Tendencialmente, se verifica certas modas de
que nem sempre o leitor-consumidor se apercebe. Por exemplo, se sai um livro
sobre bibliotecas que se torna famoso, logo outros autores correm atrás a
escrever sobre o mesmo tema ou a meter a palavra no enredo mesmo que seja numa
única página, talvez como forma garantida de que se gostaram daquele livro
sobre bibliotecas, então também vão gostar do seu. Aconteceu isso aqui nos
últimos anos em que fez furor nos EUA,
em Inglaterra, na China e até no Japão. E todos os autores, ditos famosos,
escreviam algo em que metessem a palavra “biblioteca” na capa ou em alguma
página do livro!
Este ano, a moda são os “gatos”! A palavra
“gato” aparece em vários títulos, ilustrações, contos… Por isso, é caso para se
questionar: “Será que o escritor para se tornar conhecido tem de seguir modas?
…” Penso que não, o escritor deve ser atento, observador e critico, é isso que transporto para a escrita. Escrevo
para encantar o leitor, para levantar questões e levar a pensar e, nesse
processo ajudar ao crescimento pessoal. É
uma missão muito mais digna e abrangente. Daí ter escrito este livro “Amor em tempo
de Guerra” sobre algo de que ninguém escreve: o poder das palavras e as cartas
das Madrinhas de Guerra!
Não resisto a perguntar (já sabe o que a casa gasta…): há potencial para mais livros dentro deste género? Seja romances de Natal, seja, porventura, algo deste género, mas pela perspectiva da madrinha de guerra?
Sem dúvida. Para mim, a escrita assume uma importância
vital como a água para beber e leva-me à incessante necessidade de escrever
mais e melhor. Cada vez mais, sou exigente no uso da palavra. Penso que, num verdadeiro escritor há esse
cuidado e aperfeiçoamento para oferecer ao leitor uma obra digna, tal como um
pintor que apresenta sua obra-prima. Ora, este livro, sendo um romance de amor,
possibilitou-me poder aprofundar a qualidade literária fundamental para a minha
creditação literária, abrindo-me caminhos a explorar. Assim, completa-me o
aspeto como o romance, seja de amor como de outros géneros, em que me permite
desenvolver o texto com maior profundidade quer emoções como pensamentos,
promovendo a reflexão. Abre asas de autor para escritor. Valorizo imenso
oferecer ao leitor “escritas significativas”. O aperfeiçoamento literário e a
importância do subjacente ao texto demarcam quando uma “autora” passa a
“escritora”. E tenho a agradecer a todos os meus leitores e editores, que esse
mérito está já a ser reconhecido pela avaliação da minha obra literária que é
apresentada nas pesquisas online.
Quanto a próximas escritas, devo revelar que,
há ainda muito silêncio à espera de ser transformado em palavra. Cada romance é
uma semente e já tenho muitos a germinar, tudo depende das editoras que
investem em nós, pois a imaginação nunca para. A Tecto de Nuvens apoia e dá
incentivo e isso é o que os autores precisam. Neste caso, a Tecto de Nuvens
teve igualmente um papel de destaque ao valorizar a perspectiva da madrinha de
guerra que é riquíssima e merece ser aprofundada, dando a sua aprovação para a
publicação sem a qual não seria possível este livro chegar ao leitor.
Entretanto já escrevi mais duas obras, desta
vez de poesia infantil. E não se julgue que, por ser infantil que é menos
literário, antes pelo contrário. A precisão de palavras, o ritmo, o enredo, os
adjuvantes, o clímax, o desenlace… são alguns componentes que exigem muita habilidade
e concisão literária que nem sempre é reconhecida. Nada mais errado do que
pensar que é fácil escrever para crianças.
Reforço que me preocupo imenso com o que se oferece às crianças para
ler, pois isso irá influir no seu desenvolvimento e na sua postura se gosta ou
não de ler. Tudo tem de ter um rigor literário ainda mais reforçado pela
implicação que vai ter na criança que ainda está em formação. Infelizmente, há no
mercado livreiro, muitas obras infantis e, até prémios de literatura infantil
atribuído a obras, com uma linguagem demasiado infantilizada em que prolifera a
visão romantizada do adulto e não ajudam nada ao desenvolvimento íntegro da
criança. Por isso, ajuda a que um
escritor de literatura infantil tenha algum conhecimento do desenvolvimento da
criança (por ex: dos estágios de Piaget) e responsabilidade em escrever textos
que promovam o crescimento. Assim, quando ser escritor nos corre nas veias,
tanto se escreve prosa, poesia… como até teatro, mas ter sempre a consciência
do que a sua escrita poderá contribuir para o enriquecimento de alguém.
Boas escritas!
Pode obter mais informações sobre o livro aqui.
Pode ler ou reler as outras entrevistas da autora aqui, aqui e aqui.


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